
A síndrome de Chediak-Higashi (SCH) é uma doença rara, de herança autossômica recessiva, diagnosticada principalmente na infância. O quadro clínico clássico consiste em infecções bacterianas recorrentes, albinismo oculocutâneo, alterações neurológicas progressivas, distúrbios da hemostasia e risco aumentado para linfohistiocitose hemofagocítica (LHH). A doença ocorre por mutações no gene CSH1/Lysossomal trafficking regulator (LYST), resultando na ausência ou disfunção da proteína CSH1/LYST e na desregulação no tamanho e no tráfico dos lisossomos, consequentemente visualizados à microscopia óptica como grânulos gigantes citoplasmáticos em células de diversos tecidos.
Relato do casoM.M.B, 36 anos, sexo masculino, branco, natural de Miguel Pereira, estado do Rio de Janeiro, com histórico pregresso de déficit de aprendizado, porém sem alterações de psicomotricidade, e de úlceras de repetição em membros inferiores há 14 anos, com melhora das lesões a despeito de tratamento e recidivas em intervalos de meses. Relata presença de sinais flogísticos nestas lesões, porém sem repercussão sistêmica (febre, perda de peso ou ulcerações em mucosas), além de persistência de lesão extensa em membro inferior direito, com caráter atípico, vegetante, desde setembro de 2023. Acrescido ao quadro de evolução crônica e progressiva, apresentava também perda visual progressiva até a amaurose bilateral, com percepção de estímulos luminosos mantida, tetraparesia com sinal de Babinski bilateral, arreflexia generalizada, ataxia cerebelar, perda da sensibilidade vibratória/propriocepção em membros inferiores e oftalmoplegia com nistagmo multidirecional. Na internação para investigação do quadro, foram afastadas patologias vasculares, infecciosas, inflamatórias e metabólicas através de exames laboratoriais e de imagem. Na investigação da amaurose, foi realizado fundo de olho com retinografia, levando a achados compatíveis com albinismo ocular. Quanto às alterações tegumentares, o paciente foi avaliado pela dermatologia com biópsia da úlcera vegetante, resultando em hiperplasia epitelial com infiltrado denso linfoplasmocitário e alguns polimorfonucleares na derme, além de evidenciar ao exame a presença de hipopigmentação cutânea difusa com pelos faciais e capilares acinzentados, podendo corresponder a albinismo cutâneo. Por fim, foi identificada em lâmina de sangue periférico a presença de neutrófilos e linfócitos com granulações gigantes citoplasmáticas, alteração clássica da SCH. Este achado, associado a clínica do paciente, motivou a realização de uma painel de imunodeficiências hereditárias, que encontrou duas variantes patogênicas, em heterozigose, no gene LYST. As mesmas granulações são vistas nas células da irmã do paciente, que apresenta clínica de baixa acuidade visual e albinismo, mas são ausentes no pai, mãe e em sua outra irmã, assintomáticos, denotando um caráter recessivo e de penetrância variável a esta patologia.
Discussão do casoO principal tratamento para prevenir a progressão para LHH familiar na infância (fase “acelerada” da SCH) é o transplante alogênico de medula óssea. Porém, este tratamento não impede a progressão do albinismo ou do quadro neurológico. No caso em questão, a presença das mutações em heterozigose provavelmente retiveram uma função residual à proteína CSH1/LYST, levando a um fenótipo mais brando da doença, o que permitiu seu diagnóstico na fase adulta.