
O cromossomo Philadelphia (Ph) é uma translocação recíproca entre os cromossomos 9 e 22, formando o rearranjo gênico BCR-ABL. Objetiva-se descrever o caso de uma paciente, portadora dessa anormalidade citogenética, com leucemia mieloide crônica (LMC), dez anos após quimiorradioterapia por leucemia linfoide aguda (LLA).
Materiais e métodosEstudo do prontuário da paciente.
ResultadosS.G.S., menina de 15 anos, em ago/2006, com queixa de astenia, febre, palidez e adenomegalia cervical. Ao exame físico, úlceras necróticas em gengiva e hepatomegalia, confirmada por USG. Ao hemograma, anemia (10,4 g/dL), leucocitose (35.000/mm3) e trombocitopenia (23.000/mm3). Ao mielograma, medula óssea hipocelular, com espículas hipocelulares, raras células com núcleo de cromatina frouxa, citoplasma não muito escasso e esboço de nucléolos, concluindo diagnóstico de LLA, classificação FAB L1. À imunofenotipagem celular, expressão de HLA-DR, CD19, CD56, CD58, definindo LLA pró-B - CD10 negativo. A quimioterapia seguiu o protocolo GBTLI-93 para pacientes com alto risco. Foi submetida a radioterapia craniana (líquor não infiltrado), 18 Gy em 12 frações, de fev. a mar/2007, sem intercorrências, dando início à fase de manutenção do tratamento em maio/2007, encerrando tratamento em ago/2009, em acompanhamento periódico, sem sinais de recaída, até 2012. Sem registros de exame de biologia molecular à época. Em jan/2019, S.G.S., com 28 anos, apresentando quadro gripal, realizou hemograma, que revelou leucocitose (80.040 mm3). Ao mielograma, medula óssea hipercelular, com espículas hipercelulares, relação leuco:eritroblástica 50:1, setor eritrocitário extremamente hipocelular, setor leucocitário hipercelular com escalonamento, sugerindo LMC. O exame de biologia molecular (RT-PCR) revelou translocação BCR-ABL, isoforma p190 positiva, sendo negativa a isoforma p210. Instaurado tratamento com o inibidor da tirosina-quinase (TKI) imatinibe, alcançando resposta molecular completa (BCR-ABL indetectável) em jul/2022.
DiscussãoA LLA Ph-positivo apresenta, mais comumente, translocação BCR-ABL subtipo e1a2, que codifica a proteína p190, que está associada a pior prognóstico. Na LMC, observa-se a translocação BCR-ABL em subtipos de transcrição e13a2 e e14a2, que codificam proteínas p210, também sendo possível encontrar as isoformas p210 e p190 presentes simultaneamente. No entanto, a isoforma p190 isoladamente é rara na LMC, além de ser fator de risco importante, pois pacientes costumam apresentar respostas menos satisfatórias ao uso de TKI.Segundas neoplasias hematológicas são raras em pacientes previamente tratados por leucemia. LMC pode ocorrer como neoplasia secundária por danos genéticos causados por quimiorradioterapia prévia, contudo, a LMC Ph-positivo raramente é descrita como neoplasia secundária, sugerindo a predisposição gênica como causa.
ConclusãoO surgimento de uma segunda neoplasia hematológica, relacionada a um raro rearranjo gênico e possivelmente associada a danos genéticos causados por quimiorradioterapia prévia, fomenta o debate sobre o caráter multifatorial da oncogênese na leucemia. Mais estudos são necessários para determinar as repercussões clínicas e o prognóstico das leucemias associadas à mutação BCR-ABL de subtipo p190, assim como a relação entre a quimiorradioterapia para LLA e LMC secundária.