
A lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão sanguínea (TRALI) é uma das principais complicações graves relacionadas à transfusão. É desencadeada por uma resposta imunológica na ativação dos neutrófilos do doador contra antígenos do receptor, resultando em ativação de neutrófilos e danos ao endotélio vascular pulmonar. Pode ocorrer reação súbita ou em até 6 horas após a infusão do hemocomponente, com taquidispneia e hipoxemia. O prognóstico está relacionado à gravidade da insuficiência respiratória, à resposta ao tratamento e ao desenvolvimento de complicações.
Relato de casoPaciente feminina, sete anos, admitida por história de dor abdominal há 04 meses associada à hiporexia e perda ponderal. Ultrassonografia de abdome total com imagem nodular mista de difícil definição, ocupando terço superior do rim esquerdo. Biópsia confirmou Neuroblastoma. Após início do protocolo Neuro XII 2020, evoluiu com dor com dependência de opióide, apresentando sufusões hemorrágicas em abdome. Exames laboratoriais mostram hemoglobina 6,4; hematócrito 20,9; plaquetas: 13.000, sendo solicitada hemotransfusão. Após transfusão, paciente evoluiu com piora do padrão respiratório e dessaturação, gemente; hipocorada, taquicárdica; sudoreica; pele pegajosa; ausculta pulmonar com creptos em base e terço médio de AHT; ausculta cardíaca com ritmo irregular, sem sopros; abdome distendido, doloroso à palpação superficial. Admitida em UTI. Radiografia de tórax evidenciou congestão pulmonar importante. ECG e ecocardiograma dentro dos padrões da normalidade. Gasometria: pH 7,358; PO2 62,5; PCO2 30,4; SO2 90,5; HCO3 16,7; BE -8,1; MeTHG 0,3%; Cloro 113,2. Prescrita furosemida, seguida de pré-oxigenação e sequência rápida de intubação orotraqueal (IOT). Durante IOT, saída de grande quantidade de sangue pela cavidade oral e nasal. Após episódio, paciente apresentou PCR, revertida após 2 ciclos de RCP e 2 doses de adrenalina. Em novo exame físico: EGG, reativa, hipocorada (2/4+), hipotérmica (34,3ºC), edemaciada, TEC = 3 s, pulso médio-fino, pupilas em midríase bradifotorreagente, acoplada na VM. Ausculta pulmonar e cardíaca sem alterações.
DiscussãoA TRALI é uma complicação grave e potencialmente fatal da transfusão de hemoderivados, podendo ocorrer com qualquer componente sanguíneo e em qualquer paciente. O quadro envolve lesão pulmonar de início rápido e edema pulmonar não cardiogênico devido à ativação de células do sistema imunológico nos pulmões.O manejo do paciente com TRALI é de suporte, sendo a suplementação de oxigênio para a correção da hipoxemia a base do tratamento. Em todos os casos de TRALI, o serviço de medicina transfusional e o centro de coleta de sangue devem investigar o doador implicado no caso quanto à presença de antígeno leucocitário anti-humano (HLA) e possivelmente antígeno neutrófilo anti-humano (HNA). Este deve ser distanciado de futuras doações, com o intuito de salvaguardar possíveis receptores de apresentarem quadro semelhante.
ConclusãoTRALI é um diagnóstico de exclusão, essencialmente clínico e dependente de alto grau de suspeição. Diante do exposto, vale ressaltar a importância de considerar a patologia como diagnóstico diferencial no casos de desconforto respiratório agudo durante ou após o ato transfusional, tendo em vista os riscos envolvidos e visando um diagnóstico precoce e melhor desfecho. Apesar de ser um evento raro, pode culminar com o óbito e o seu tratamento inclui medidas de suporte intensivo.