
O sistema de complemento é parte crucial da imunidade inata e quando apresenta falhas, doenças imunomediadas podem ser desencadeadas. Este relato de caso tem como objetivo correlacionar, por meio de revisão de literatura, a deficiência do sistema do complemento à Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN).
ResultadosF.C.S, mulher de 34 anos, previamente hígida, foi admitida na urgência do HMMG em 5 de novembro de 2015 com quadro de fadiga e astenia, associado à epistaxe. Na admissão, apresentava hemoglobina de 3,3 g/dL, plaquetas 13.000/mm3 e leucócitos 1.800/mm3, lactato desidrogenase (LDH) 348 U/L. Biópsia de medula óssea (11/11/2015) confirma a condição de aplasia de medula, citometria de fluxo (16/11/2015) determina presença de clones com fenótipo compatível com HPN, pela detecção de 47,9% dos monócitos com expressão reduzida de CD14 e CD157 em relação à população de monócitos normais. Após 2 tratamentos com resposta parcial da aplasia medular, ainda mantendo necessidade transfusional, foi iniciado Eculizumab em 16/02/2017, realizou 2 ciclos de indução e mantém-se em terapia de manutenção desde 25/05/2017. Embora a análise imunofenotípica da expressão de antígenos ligados à GPI, realizada 6 anos após indução (12/04/2023), demonstre 84,4% dos monócitos com ausência de expressão CD14/CD157, a paciente evoluiu com excelente resposta clínica, assintomática, mantendo anemia leve (hemoglobina entre 9-10 g/dL), sem necessidade transfusionais desde 2018.
DiscussãoA HPN é uma doença clonal muito rara, adquirida e derivada da mutação do gene fosfatidilinositol glicano classe A. Esta alteração confere a falta de glicofosfatidilinositol (GPI) âncoras e, consequentemente, ausência das proteínas CD55 e CD59 ancoradas por GPI nas células hematopoiéticas, o que culmina em hemólise intravascular mediada pelo sistema de complemento. Para a triagem de HPN o exame de escolha é a citometria de fluxo devido sua alta sensibilidade e especificidade, que permite identificar e quantificar a expressão de proteínas ancoradas por GPI, e as células deficientes de CD55 e CD59. Até meados de 2004, o tratamento para HPN limitava-se ao tratamento de suporte e transplante de células tronco em casos graves. Com o advento dos anticorpos monoclonais (Eculizumab e Ravulizumab) estudos mostram que a expectativa de vida de pacientes portadores de HPN atualmente se assemelha à da população normal, corroborando o impacto assertivo da imunoterapia, entretanto, deve se enfatizar a disponibilidade muito limitada de tal terapia, especialmente no Sistema Único de Saúde, devido seu alto custo. Atualmente estão em voga novos tratamentos para inibir a cascata do complemento mais proximalmente, em nível de via alternativa, uma nova classe de agentes moduladores do complemento chamados “inibidores proximais do complemento”.
ConclusãoO conhecimento sobre a fisiopatologia das doenças do complemento foi uma grande ferramenta para a evolução do tratamento de HPN. Inovações ainda em desenvolvimento podem ser o futuro do tratamento das doenças associadas à deficiência do sistema do complemento.