
Paciente de 47 anos, negra, diagnósticos prévios de hipotireoidismo e hipertensão arterial sistêmica, interna para investigação de quadro com aproximadamente um mês de evolução marcado por plenitude pós-prandial, perda ponderal significativa (11 kg), além de parestesia de membros simétrica associada à instabilidade na marcha e bradipsiquismo. Ao exame físico observou-se também atrofia de papilas gustativas e a avaliação neurológica foi compatível com neuropatia perifética e redução da sensibilidade dolorosa e tátil do nível T8 até região suprapatelar bilateral. Laboratorialmente: anemia macrocítica (Hb 8,3 g/dL; Hto 24,7%; VCM 118 fL), índice de reticulócitos corrigido de 1,1, leucopenia com neutropenia (Leucócitos 2.240/mm3 com 270 neutrófilos), trombocitopenia (28.000/mm3), LDH muito elevada (4.597 UI/L) e bilirrubina indireta de 1,9 mg/dL. À hematoscopia: raros neutrófilos plurissegmentados, macrovalócitos e numerosos dacriócitos e esquizócitos. Embora a história clínica sugerisse o diagnóstico de deficiência de vitamina B12, os achados laboratoriais e da hematoscopia tornavam microangiopatia trombótica (MAT), especificamente púrpura trombocitopênica trombótica (PTTa), um preocupante diagnóstico alternativo (PLASMIC score: 6 pontos; French score: 2 pontos). Diante de um elevado VCM e da ausência de reticulocitose real, foi optado pelo início da reposição de vitamina B12 e pelo adiamento do início de plasmaférese. Após 48 horas da admissão, a dosagem de vitamina B12 foi liberada < 50 pg/mL. A paciente evoluiu com rápida melhora clínica e laboratorial.
DiscussãoA pseudo-MAT caracteriza-se por: anemia hemolítica, presença de esquizócitos e dacriócitos no sangue periférico, trombocitopenia grave, LDH muito elevada e haptoglobina consumida. Pacientes com deficiência grave de vitamina B12 podem apresentar um amplo espectro de manifestações hematológicas, dentre elas a pseudo-MAT é relatada em apenas 2,5% dos pacientes. Por ser achado incomum, de difícil reconhecimento e poder vir acompanhado de sintomas neurológicos, muitos pacientes recebem o diagnóstico de PTTa e são tratados desnecessariamente com plasmaférese. Diferentemente do que ocorre em outras formas de MATs, na pseudo-MAT o VCM costuma ser muito elevado, apesar da ausência de reticulocitose real, quando corrigimos pela anemia. O conhecimento dessa forma de apresentação e de suas peculiaridades pode evitar o diagnóstico incorreto com consequente instituição de tratamentos que agregam morbidade. O caso chama atenção para a necessidade de afastarmos deficiência de B12 quando diante de quadros clínicos semelhantes ao descrito.