As porfirias são condições metabólicas raras e complexas, resultantes de deficiências na atividade de uma das oito enzimas da via biossintética do heme, cujo espectro clínico é bastante variável, tornando difícil o diagnóstico.
ObjetivoRelatar caso de paciente jovem com quadro clínico clássico de porfiria cutânea tarda.
Relato de casoMulher, 39 anos, usuária crônica de anticoncepcional a base de estrogênio, apresentava lesões bolhosas em mãos e braços, cerca de dois meses antes de procurar avaliação de especialista, associadas a urina avermelhada, hirsutismo em áreas fotoexpostas, alopecia e escurecimento da pele. Ausência de dor abdominal ou sintomas neuropsiquiátricos. Suspeita inicial de farmacodermia, principalmente Síndrome de Stevens-Johnson. Após piora das lesões, biopsia de pele revelou achados de dermatite vesicular subepidérmica não-inflamatória, com imunohistoquímica mostrando negatividade para citoqueratinas pan e de alto peso molecular (auxiliam no diagnóstico diferencial de neoplasias). Teste genético identificou presença de mutação UROD. Testes de rastreio para HIV e Hepatite C foram negativos. Após cuidados intensos com a pele, redução da exposição solar, sessão de sangria e baixas doses de hidroxicloroquina por 6 meses, paciente evoluiu com melhora completa das lesões bolhosas e atenuação do hirsutismo, persistindo hiperpigmentação da pele e alopecia. Estrogênio foi substituído pela inserção do DIU de cobre. Segue em acompanhamento regular com hematologista, sem novas intercorrências.
DiscussãoA porfiria cutânea tarda (PCT) é a forma mais comum de apresentação das porfirias, causada pela deficiência da enzima uroporfirinogênio descarboxilase (UROD) no fígado, promovendo surgimento de lesões cutâneas bolhosas crônicas que acometem preferencialmente áreas do corpo expostas ao sol, além de sintomas como hirsutismo, hiper ou hipopigmentação da pele e alopecia. A forma esporádica é responsável por cerca de 80% dos casos de PCT e a forma familiar por até 20% dos casos, de herança autossômica dominante com baixa penetrância, na qual se enquadra a paciente supracitada. A infecção pelo vírus da hepatite C tem considerável papel na patogênese da doença, bem como o uso de estrogênios exógenos, mutações HFE e uso de álcool. A suspeita diagnóstica é feita em pacientes que apresentam lesões bolhosas em áreas expostas ao sol com aumento das porfirinas plasmática e urinária. Não deve haver presença de sintomas neuroviscerais. Considera-se dosagem das porfirinas na urina e no plasma como teste de primeira linha diante da suspeita de porfiria cutânea. Testes tais como fracionamento das porfirinas, medição do ALA e PBG e pico de fluorescência do plasma são necessários para documentar o diagnóstico. Tratamento envolve controle dos fatores de suscetibilidade tais como redução da exposição solar, abstinência de álcool e do tabagismo, descontinuação do estrogênio e rastreio da infecção pelo HCV. A flebotomia e hidroxicloroquina em baixa dose são tratamentos eficazes na PCT. Acerca de outros tratamentos descritos tais como plasmaférese, vitamina E e talidomida, carecem de melhores evidências.
ConclusãoA PCT é uma doença crônica complexa, de patogênese fascinante, cujo controle de fatores de suscetibilidade modificáveis bem como medidas para proteção contra luz solar promovem melhora relativa dos sintomas, porém novos estudos são necessários para minimizar recidivas da doença e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.