
O parvovirus B19V infecta células progenitoras eritróides humanas, levando a uma interrupção transitória da eritropoiese. As manifestações clínicas dependem do estado hematológico e imunológico do hospedeiro. No hospedeiro imunocompetente, a infecção pode ser assintomática, ou se manifestar pelo exantema (eritema infeccioso) e/ou artralgia. Em pacientes que sofrem de anemia hemolítica crônica (por exemplo, doença falciforme), a infecção pode levar a um quadro aplástico transitório. A infecção fetal por B19V também pode causar anemia intrauterina grave, resultando em hidropisia e/ou morte fetal. Pacientes imunocomprometidos, como os infectados por HIV, transplantados e em quimioterapia, para os quais produtos derivados do sangue podem ser frequentemente prescritos, a infecção pode se manifestar como aplasia pura de hemácias e anemia crônica. Para prevenir a transmissão do B19V por meio de transfusão, a realização de testes moleculares para detecção do genoma viral no plasma doado foi estabelecida por alguns órgãos internacionais, como o FDA e a Farmacopeia Europeia. No Brasil, além da triagem deste vírus não ser realizada nos serviços de hemoterapia, existe uma carência de dados acerca da incidência desta infecção entre doadores de sangue. O objetivo deste estudo foi determinar a incidência desta infecção em doadores de sangue do Rio de Janeiro e avaliar o seu risco de transmissão transfusional. Foi analisado um total de 1.204 amostras de plasma de doadores de sangue do HEMORIO-RJ. A detecção de B19V foi realizada por PCR em tempo real e os genótipos foram determinados por meio de sequenciamento. Nas amostras positivas foi feita uma avaliação da infecciosidade por meio de um método de pré-tratamento enzimático das amostras para detecção de partículas virais. O risco de transmissão transfusional foi calculado por meio da proporção entre o número de bolsas de sangue potencialmente transmissivas e o número total de bolsas liberadas para doação no Rio de Janeiro, em 2018-2019. A prevalência de B19V-DNA entre doadores do Rio de Janeiro foi de 0,33% (4/1204), com cargas virais variando de 103 a 107UI/mL, o que reflete em uma taxa de incidência de 3,32 a cada 1000 doadores. As amostras sequenciadas (n=3) foram pertencentes ao subgenótipo 1a. Após o tratamento com a enzima endonuclease, em uma amostra ocorreu redução da carga viral, indicando presença de partículas virais infecciosas. Nas demais amostras, a carga viral tornou-se indetectável, indicando ausência de partículas virais. Considerando que o número total de bolsas de sangue liberadas entre 2018-2019 foi de 353.302, o número esperado de bolsas contaminadas com B19V foi de 1.174 e o número esperado de bolsas potencialmente infecciosas para B19V foi de 880, considerando que foram identificadas três bolsas de sangue com carga viral acima de 104UI/mL e negativas para anti-B19V IgG, indicando uma taxa de doação infecciosa de 3 em 1.204 (0,25%, IC 95% 0,05-0,73). Os dados observados neste estudo demonstram que o B19V está presente na população de doadores de sangue do Rio de Janeiro e destacam a importância de estudos de risco de transmissão residual desta infecção através da transfusão sanguínea. Estudos futuros de custo-efetividade acerca da implantação de diferentes métodos de triagem para este vírus podem orientar ainda mais a discussão sobre a segurança de sangue e hemoderivados destinados à doação no país.