
Descrever um caso de difícil diagnóstico onde foi realizado painel de mutações mieloides mostrando sua importância, bem como suas limitações.
Relato de casoPaciente masculino, 70 anos, procurou atendimento por astenia e dor abdominal. Em exames iniciais, foi detectada plaquetopenia, leucocitose, anemia e esplenomegalia. Realizado aspirado de medula óssea que mostrou hipercelularidade à custa das 3 séries, disgranulopoiese acentuada nas séries eritroide e granulocítica e moderada na megacariocítica, basofilia e 6% de blastos. Na imunofenotipagem, 3% de células de linhagem mieloide imaturas e alterações imunofenotípicas associadas a dispoese das séries granulocítica e eritrocítica. Cariótipo 46,XY,del(12)(p11.2p13)[14] /46,XY,i(17)(q10)[2]/46,XY[4]. Biópsia sem evidência de fibrose. Realizado painel de mutações mieloide por NGS e detectadas as seguintes mutações patogênicas: NF1, NRAS, SETBP1 e SRSF2, além de ASXL1 de significado incerto.
DiscussãoEste paciente apresentava alterações displásicas concomitantes com características mieloproliferativas. Dentre as principais hipóteses diagnósticas para o paciente, encontram-se a leucemia mielomonocítica crônica (LMMC), síndrome mielodisplásica (SMD) com excesso de blastos e leucemia mieloide crônica (LMC) “atípica”. A hipótese de SMD foi descartada pela presença de esplenomegalia e alterações cariotípicas incompatíveis. As mutações NRAS, SRSF2 e ASXL1 são típicas de LMMC, sendo que as duas últimas ocorrem em 40% dos casos. O cariótipo na LMMC geralmente apresenta anormalidades do cromossomo 7 e trissomia do 8. Já na LMC BCR/ABL negativa, as alterações cariotípicas são a trissomia do 8 e isocromossomo 17q, já as mutações genéticas mais comuns são SETBP1 em 24% e CSF3R em 44%. Ou seja, o paciente apresentava mutações presentes tanto presentes na LMMC quanto na LMC atípica e com uma alteração de cariótipo típica da LMC. Outras alterações são comuns em ambas as condições como displasia, citopenias e esplenomegalia. Desta forma, torna-se difícil guiar o diagnóstico diferencial do paciente pelas alterações citogenéticas apresentadas. O que possibilitou a diferenciação neste caso foi que o paciente apresentava monocitose significativa, sendo este um dos critérios de exclusão para LMC “atípica” e um dos critérios necessários para LMMC.
ConclusãoApesar de o painel de mutações mieloides ser cada vez mais solicitado pelos hematologistas, é importante lembrar-se que muitas vezes este exame, apesar de enriquecedor para o diagnóstico de neoplasias mieloides, não pode ser utilizado indiscriminadamente como ferramenta para o diagnóstico diferencial entre tais condições, visto que a diagnóstico deste paciente só foi possível ser realizado através de dados clínicos (esplenomegalia) e um dado básico do hemograma (monocitose). Desta forma, salienta-se a importância da avaliação do conjunto de dados dos pacientes, tanto clínicos quanto laboratoriais, e que as ferramentas mais custosas e de difícil acesso devem ser utilizadas com indicação precisa e cautela.