
Relatar um caso raro de neutropenia congênita e mielofibrose devido mutação do gene VPS45, tratado com transplante de medula óssea.
Relato de casoRecém-nascido de termo, masculino, com 3500g, teve sepse neonatal no terceiro dia de vida. Com um mês de vida, apresentou febre e procurou a emergência de nosso hospital, evoluindo com pneumonia, anemia, neutropenia grave, plaquetopenia e esplenomegalia. Sorologia para CMV IgM positivo (PCR negativo), recebeu cefepime e ganciclovir por 14 dias, com melhora. Ao exame tinha pé torto congênito, sem outros desvios fenotípicos. Pais não consanguíneos, saudáveis e dois irmãos saudáveis. Os exames mostraram Hb 8,1g/dL, leucócitos 2800/mm3, granulócitos 165/mm3 e plaquetas 23.000/mm3, reticulócitos: 4%, aumento DHL, coombs direto negativo e mielograma normocelular, hipoplasia granulocítica com maturação até metamielócito, 4% de neutrófilos, normoplasia dos outros setores, sem displasia. Aventada possibilidade de Síndrome de Evans com AHAI apesar de coombs negativo, neutropenia e plaquetopenia imunes. Recebeu prednisolona e após um mês de uso houve normalização das hemácias e plaquetas, porém mantendo neutropenia grave sem resposta a filgrastim. Durante o seguimento apresentou queda do coto umbilical com 2 meses, três vezes celulite, gengivite e lesão de pele por fusarium, sempre mantendo neutropenia muito grave entre 20 e 150/mm3. O baço foi progressivamente aumentando chegando a 8 cm do RCE, as plaquetas variando de 50.000 a 150.000 e Hb de 8,0 a 13g/dL. DNPM com atraso na fala e desnutrição crônica. Na avaliação imunológica apresentava diminuição de linfócitos T (principalmente CD 8), aumento de IgG, e citometria para ALPS negativa. Aos 3 anos foi novamente avaliada a medula óssea que estava hemodiluída e não foi obtido material adequado de biópsia de medula óssea. Realizado painel genético com mutação no gene VPS45 em homozigose, confirmando o diagnóstico de neutropenia congênita e aos 3 anos e 8 meses de idade foi submetido a transplante de medula óssea (TMO) alogênico aparentado HLA idêntico, condicionamento com timoglobulina, thiotepa, bussulfano e fludarabina conforme protocolo EBMT/ESID. Evoluiu com boa enxertia, teve DECH grau 4 com boa resposta a imunossupressão e atualmente 2 anos após o TMO está bem, sem medicações.
DiscussãoO gene VPS45 codifica uma proteína que regula o tráfego de membrana através do sistema endossomal e sua mutação pode levar a neutropenia congênita por apoptose acelerada de neutrófilos. Poucos casos foram relatados sugerindo padrão de herança autossômica recessiva. Assim como no caso apresentado as manifestações clínicas aparecem nos primeiros meses de vida, ocorrendo neutropenia grave com infecções e sem resposta a G-CSF, anemia e plaquetopenia progressivas e flutuantes. Presença de hematopoiese extramedular, com esplenomegalia, hepatomegalia, nefromegalia, baixo ganho ponderal e eventualmente adenomegalia. Em alguns casos foram também relatados hipergamaglobulina, osteoesclerose e reação periostal, atraso do DNPM. Alguns pacientes também apresentaram trombastenia, porém isso não foi avaliado em nosso paciente. Em todos os pacientes relatados a BMO mostrou ser hipercelular, com hiperplasia mieloide e proeminente fibrose reticulínica, porém em nosso paciente não foi possível coleta de material adequado para análise. Quanto ao tratamento, por ser tratar de quadro muito raro, poucos pacientes foram submetidos a TMO aparentado, e assim como o nosso caso, alguns tiveram sucesso.
ConclusãoMutação no gene VPS45 deve ser considerado em pacientes com neutropenia, associada a outras citopenias, hematopoiese extramedular e mielofibrose, e rapidamente encaminhados para TMO.