
Relatar um caso de mielopoiese anormal transitória (MAT) em recém-nascido (RN) com síndrome de Down e malformações congênitas das câmaras e comunicações cardíacas.
Material e métodosPaciente do sexo masculino, RN, 01 dia de vida, internado na UTI neonatal com face sindrômica, hipertelorismo ocular, ponte nasal em selo e dedos das mãos curtos. Foi realizado hemograma automatizado em amostra do sangue periférico (ADVIA 2120i-Siemens Healthineers) e coloração de distensões sanguíneas (May Grunwald–Giemsa e Citoquímica Peroxidase). Aos 10 dias de vida foi realizado cariótipo com banda G e imunofenotipagem do sangue periférico para diagnóstico diferencial de leucocitose. Imunofenotipagem realizada por citometria de fluxo multiparamétrica (FACSCalibur), utilizando os seguintes anticorpos monoclonais: CD20, CD10, CD34, HLA-DR, CD41, CD61, CD117, CD71, CD33, CD14, CD300e, CD36, CD13, CD64, CD11b, nTdT, CD19, CD45).
ResultadosO hemograma apresentou os seguintes parâmetros: E = 4,73 milhões/mm3; Hb = 14,3 g/dL; Ht = 46,5%; VCM = 98,4fL; HCM = 30,2pg; CHCM = 30,7%; RDW = 19,5%, Plaquetas = 703000/mm3, Leucócitos = 72000/mm3 e a análise microscópica complementar mostrou a presença de 40% de blastos de aparência mieloide, 38% de neutrófilos com desvio à esquerda até mielócito e sem escalonamento maturativo preservado, 21% de linfócitos, 1% de monócito e presença de 98 eritroblastos em 100 leucócitos contados. Após 10 dias: E = 4,27 milhões/mm3; Hb = 12,3g /dL; Ht = 39,2%; VCM = 91,9fL; HCM = 28,7 pg; CHCM = 31,3%; RDW = 22,5%, Plaquetas = 954000/mm3, Leucócitos = 54500/mm3 e a análise microscópica: 73% de blastos de aparência mieloide, 19% de neutrófilos com desvio à esquerda até mielócito sem escalonamento maturativo preservado, 6% de linfócitos, 21% de monócitos e presença de 18 de eritroblastos em 100 leucócitos contados. A coloração citoquímica peroxidase foi negativa em 100% dos blastos. A análise imunofenotípica revelou presença de 76% de células precursoras mieloides com diferenciação megacariocítica (CD45++; baixa/moderada SSC, CD117+, CD61+, CD41+, CD13+, CD36+, dos quais 22% são CD34+ e CD33+). A pesquisa dos marcadores HLA-DR, CD20, CD10, CD71, nTdT, CD64, CD11b, CD19 e CD20 foi negativa. Através do cariótipo com banda G foi visualizada a trissomia livre do cromossomo 21. O RN apenas recebeu tratamento para a cardiopatia e após um mês do diagnóstico, o hemograma não apresentou mais leucocitose (9.900/mm3) e a análise microscópica evidenciou ausência de blastos.
DiscussãoA MAT representa uma forma única de leucemia autorregressiva ou pré-leucemia, esta condição neonatal ocorre em 10 a 15% dos portadores de síndrome de Down e geralmente é diagnosticada ao nascimento, com uma tendência comum à regressão espontânea. Apesar do prognóstico da MAT ser geralmente benigno, até 20% dos pacientes podem apresentar desfechos fatais. No caso específico descrito, a MAT regrediu espontaneamente após um mês de vida. No entanto, complicações decorrentes da malformação cardíaca resultaram no óbito do RN aos 72 dias de vida.
ConclusãoA identificação precisa de células precursoras e o acompanhamento cuidadoso da evolução desses pacientes é fundamental para a compreensão verdadeira da natureza da MAT e direcionar a melhor conduta terapêutica.