
Uma mulher de 72 anos de idade, diagnosticada com disfibrinogenemia há 50 anos, procurou a equipe de odontologia do Hemocentro com queixa de fratura dentária. A disfibrinogenemia é um distúrbio hereditário muito raro caracterizado pelo defeito qualitativo do fator de coagulação I. Além da coagulopatia, a paciente apresentava artrite reumatóide, artrose, hipertensão arterial, hipotireoidismo, diabetes mellitus tipo II, fibromialgia e lúpus eritematoso sistêmico. Também possui histórico de hepatite C tratada associada ao uso de crioprecipitado para manejo hemostático. Para controle das comorbidades, estava prescrita com nifedipina, levotiroxina, metformina, sinvastatina, ácido acetilsalicílico, losartana, citalopram, gabapentina, pregabalina e diosmina. O objetivo deste trabalho é relatar o planejamento odontológico na vigência das variadas comorbidades e uso de medicamentos que tornam o manejo limitado. Ao exame físico intraoral, identificou-se raízes de dentes pré-molares e molares inferiores, com indicação de exodontia. As condições sistêmicas sugerem um alto risco de sangramento trans e pós-operatório, além de potencial retardo cicatricial. Dessa forma, optou-se pela realização das exodontias em diferentes oportunidades, iniciando pelo pré-molar inferior direito. O planejamento hemostático para a extração se deu com a prescrição de 500mg de ácido tranexâmico via oral de 8 em 8 horas durante 5 dias, iniciando no dia anterior ao procedimento, associado à infusão de 2g de fibrinogênio 1 hora antes da cirurgia. Como manobras hemostáticas locais, foram realizadas compressão com gaze, colocação de esponja hemostática no alvéolo, sutura em massa, aplicação de ácido tranexâmico em solução no local da ferida cirúrgica além de pasta hemostática manipulada contendo ácido tranexâmico (10%) e ácido tricloroacético (10%). O ácido tranexâmico neutraliza o sistema de fibrinólise durante a cicatrização e quando utilizado localmente, preserva o coágulo formado, reduzindo a intensidade e o sangramento. Já o ácido tricloroacético é um agente cauterizante químico que também auxilia no controle de pequenos sangramentos. Assim, a exodontia foi realizada sem intercorrências e a hemostasia foi satisfatória. Para estimular o processo cicatricial e proporcionar analgesia, aplicou-se fotobiomodulação no local da extração, sendo utilizado laser de baixa intensidade, no comprimento de onda vermelho com 2 joules divididos em 2 pontos. Na avaliação pós-operatória, a paciente não relatou sintomatologia dolorosa ou intercorrências e apresentava processo cicatricial sem edema, hematomas e sinais clínicos inflamatórios. Na remoção das suturas, além de irrigação com clorexidina 0,12% para auxiliar na remoção de biofilme bacteriano, foi feita nova aplicação de pasta hemostática manipulada, já que a paciente não estava em uso de medicamentos antifibrinolíticos e nem havia realizado reposição de fibrinogênio. Os resultados deste primeiro procedimento encorajaram a continuidade das intervenções propostas no planejamento curativo e reabilitador. Concluiu-se que, apesar da complexidade da situação, o manejo odontológico utilizando fatores de controle hemostático sistêmicos e locais, além da fotobiomodulação, proporcionou desfecho satisfatório.