
A Síndrome de Griscelli (SG) é uma desordem em que há alteração no transporte de melanossomos para a periferia dos melanócitos, levando à coloração cinza prateada de pelos e cabelos. Está associada a graus variáveis de imunodeficiência e a alta mortalidade, especialmente quando cursa com apresentação clínica de linfo-histiocitose hemofagocítica (LHH). Infecções virais são prevalentes nesse contexto, sendo o Vírus Epstein-Barr (VEB) um possível agente. Esse, por sua vez, tem conhecido potencial oncogênico. A descrição de SG com Linfoma de Hodgkin (LH) não é achado comum na literatura.
Relato de casoPaciente do sexo masculino, 3 anos, com achado de cabelos prateados desde o nascimento, sem investigação prévia. Apresentou quadro de tosse produtiva, rinorreia e odinofagia de evolução subaguda, associadas a otorreia bilateral, linfadenomegalia cervical, hepatoesplenomegalia, inapetência e febre diária, refratários a antimicrobianos e a corticoterapia. Ao exame dermatológico, presença de cabelos, cílios e sobrancelhas prateadas. Os exames admissionais evidenciaram faringoamigdalite estreptocócica, otomastoidite bilateral por Staphylococcus aureus multirresistente e Mononucleose Infecciosa. Exames laboratoriais com bicitopenia, hiperferritinemia, hipertrigliceridemia e hipofibrinogenemia. Preenchidos critérios para LHH. Realizado mielograma, observando-se plasmocitose e ausência de hemofagocitose ou células típicas da síndrome de Chediak-Higashi (SCH). Para elucidação diagnóstica da síndrome dos cabelos prateados, feita biomicroscopia capilar, sendo visualizados grânulos de melanina grandes e irregulares, distribuídos próximos à medula das hastes pilosas, e, considerando-se a exclusão da SCH, foi confirmado o diagnóstico de Síndrome de Griscelli tipo 2 (SG-2). Realizada biópsia de linfonodo cervical, com resultado anatomopatológico compatível com LH clássico rico em linfócitos. Iniciado protocolo de quimioterapia com o Protocolo de Tratamento do Linfoma Hodgkin em Crianças e Adolescentes (LHBRA2015). Durante a internação, evoluiu com complicações infecciosas e hemorragia digestiva alta, resolvidas com antibioticoterapia guiada e escleroterapia, respectivamente. Atualmente, está em curso de tratamento com boa evolução.
DiscussãoA SG é uma doença rara de caráter autossômico recessivo. O tipo 2 manifesta-se com hipomelanose e deterioração imunológica grave. Há maior susceptibilidade a LHH, caracterizada por períodos de ativação linfocitária e macrofágica descontroladas. Um gatilho comum da LHH é um processo infeccioso, como pelo vírus Epstein-Barr (VEB), causador da Mononucleose Infecciosa, como no caso em questão. O VEB é considerado vírus oncogênico, potente indutor de transformação e crescimento celular desordenado, capaz de imortalizar linfócitos B.
ConclusãoApesar de a associação entre SG e LH não ser achado comum na literatura, a SG-2, por cursar com vulnerabilidade imunológica, eleva o risco de aquisição de infecções virais. Entre essas, há a infecção pelo EBV, que, no contexto da síndrome de base, pode cursar com LHH. Ademais, por esse ser considerado vírus oncogênico, pode contribuir com disfunções imunológicas e com mecanismos de tumorigênese associados ao LH.