
Descrever um caso de leucemia promielocítica aguda (LPA) em paciente com tireoidopatia não controlada, enfatizando a possível correlação entre tireoidopatias e leucemias.
Material e métodosOs dados foram obtidos a partir de entrevista e revisão de prontuário, com autorização do paciente.
Relato de casoL.S, masculino, 26 anos, com diagnóstico de Doença de Graves (DG) em 2021, em uso de tapazol desde então e sem seguimento com endocrinologia, foi encaminhado à Emergência do Hospital de Base de São José do Rio Preto com quadro de dor abdominal e febre há 5 dias. Nos exames iniciais, evidenciada pancitopenia, com anemia normocítica normocrômica (Hemoglobina 9.7 g/dL), leucopenia (890/mm3 leucócitos, diferencial com 160 segmentados) e plaquetopenia leve (134 mil/mm3); hormônio tireoestimulante (TSH) suprimido e tiroxina livre (T4L) elevada. A análise da lâmina de sangue periférico inicial (LSP) era hipocelular e sem atipias. Ao exame físico, linfonodomegalia discreta em cadeias cervicais, sem hepatoesplenomegalia. A neutropenia febril foi tratada com antibioticoterapia de amplo espectro. Quanto à pancitopenia, optado por suspensão do Tapazol e início de granulokine, considerando agranulocitose induzida por anti-tireoideanos como principal hipótese. Após o quarto dia do uso, apresentou aumento progressivo de leucócitos e piora significativa da plaquetopenia, atingindo o mínimo de 12 mil/mm3 plaquetas. Paciente evoluiu com epistaxe e sangramentos em locais de punções venosas. Realizada nova LSP, com 33% de células sugestivas de imaturidade, núcleo excêntrico e citoplasma com abundantes granulações, compatíveis com promielócitos atípicos. No mielograma foram observadas 84% de células de mesmas características. A imunofenotipagem por citometria de fluxo da medula óssea foi compatível com LPA e o diagnóstico foi confirmado pela presença da translocação entre os cromossomos 15 e 17 - t(15;17). Foi iniciado ácido transretinóico (ATRA), suporte transfusional, e, em seguida, realizada indução quimioterápica conforme protocolo REGO.
DiscussãoApesar de existirem evidências da relação entre doenças tireoideanas e hematológicas, o mecanismo fisiopatológico ainda é pouco elucidado. Acredita-se que as desordens autoimunes presentes em tireoidopatias são capazes de causar danos diretos a medula óssea. Além disso, o receptor do hormônio tireoideano e o receptor retinoide são da mesma família e seus domínios de ligação ao DNA possuem uma semelhança considerável, o que poderia influenciar no crescimento e diferenciação celular a nível molecular. O hipertireoidismo comumente evolui com desordens de uma linhagem hematológica, mas o desenvolvimento de pancitopenia é raro. A agranulocitose também está relacionada ao tratamento com drogas anti-tireoideanas e, nesses casos, espera-se que tal manifestação ocorra dentro dos três primeiros meses.
ConclusãoOs hormônios tireoidianos possuem efeito na hematopoese e existem na literatura trabalhos que demonstram associação de tireoidopatias e neoplasias hematológicas. Esse relato descreve o diagnóstico de LPA em paciente com hipertireoidismo, com efeito confundidor inicial pelo uso prévio de Tapazol. Por se tratarem de doenças graves com alta morbimortalidade, é importante que o diagnóstico seja feito precocemente e o tratamento correto seja instituído em tempo.