
A leucemia linfoblástica aguda de células T (LLA-T) é uma neoplasia hematológica de difícil tratamento. Este relato descreve um caso de LLA-T early-T refratária à terapia de indução, que apresentou resposta completa após terapia-alvo, sendo submetida a transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) alogênico, evoluindo com recidiva de doença em glândula lacrimal quatro meses após o TCTH.
Descrição do casoPaciente feminina, 40 anos, apresentou ao diagnóstico febre, dispneia e equimoses. O hemograma revelou anemia, leucocitose e trombocitopenia. Uma Tomografia Computadorizada (TC) de tórax identificou massa mediastinal (6,3×5,9×1,8 cm) e adenopatias axilares. A Imunofenotipagem (IMF) de medula óssea identificou 89% de células precursoras linfoides T, com diagnóstico de LLA-T early-T. A paciente foi submetida à quimioterapia de indução com protocolo Total Therapy XV adaptado, apresentando perda de Doença Residual Mínima (DRM) durante a terapia de consolidação. Recebeu reintensificação adaptada com HD-ARAC, Venetoclax e Bortezomibe, sendo posteriormente submetida a TMO alogênico com DRM negativa. Após quatro meses a paciente apresentou edema e hiperemia palpebral em olho esquerdo, com lesão sugestiva de hordéolo. O tratamento tópico com colírio e compressas não resultou em melhora, e também não teve resposta à antibioticoterapia. Recebeu corticoterapia intramuscular por outra queixa, com melhora temporária da lesão, mas subsequente progressão e discreta redução da acuidade visual. Uma TC de crânio não mostrou alterações. Após avaliação oftalmológica, levantou-se a hipótese de infiltração por doença linfoproliferativa na glândula lacrimal. Realizada RNM de crânio, que evidenciou aumento das dimensões da glândula lacrimal esquerda, com formação tecidual captante de contraste, compatível com recaída da doença. A análise do líquor com IMF revelou 93,8% de blastos linfoides T.
DiscussãoA recaída da LLA pós-TCTH traz consigo um prognóstico reservado. O envolvimento da órbita por linfoma linfoblástico é raro e geralmente ocorre como parte de uma doença agressiva e disseminada. O mecanismo de recidiva ocular não é claro, mas a migração de células leucêmicas ao longo dos vasos ciliares posteriores no espaço subaracnoideo ao redor do nervo óptico é uma hipótese proposta. A infiltração leucêmica direta pode ocorrer em diferentes padrões, incluindo infiltração uveal, orbital, hifema, einfiltração do nervo óptico e papiledema. Alterações secundárias resultam de anormalidades hematológicas, com trombocitopenia e hiperviscosidade, podendo se manifestar como hemorragia retiniana ou vítrea, infecções e oclusões vasculares. A prevalência de envolvimento ocular em pacientes leucêmicos varia de 9% a 90% em diferentes estudos, refletindo a natureza transitória dos achados oculares e a falta de uniformidade nos métodos de pesquisa. Estima-se que até 69% dos pacientes com leucemia apresentem alterações no fundo de olho em algum momento da doença, com prevalência de 49,1% em adultos e 16,5% em crianças.
ConclusãoEste caso ilustra a complexidade da LLA-T e a subsequente recaída em local extramedular, destacando a natureza agressiva da doença. É essencial suspeitar de recidiva em pacientes que apresentem sintomas oculares. O diagnóstico inclui testes oftalmológicos, exames de imagem e avaliação hematológica de rotina. A raridade do acometimento ocular pode dificultar o diagnóstico precoce, comprometendo o prognóstico do paciente.