
Relatar uma forma incomum de Leucemia aguda de novo pós transplante alôgenico aparentado idêntico.
Material e métodosEstudo de caráter descritivo. Dados obtidos através de análise de prontuário.
Relato do casoPaciente sexo feminino, 31 anos, diagnosticada com Leucemia Mielóide Aguda risco intermediário. Mielograma: 85% blastos com imunofenótipo positivo para CD13, CD33, CD34, CD71, CD117, CD123, HLA-DR, MPO e cariótipo 46; XX. Ausência de mutações para FLT3 e NPM1. Realizou tratamento quimioterápico com protocolo 3+7 seguida de consolidação com citarabina em altas doses. Ao final do tratamento, doença residual mínima negativa. Submetida a transplante de medula óssea alogênico aparentado HLA idêntico (irmão). No pós transplante quimera completa e cariótipo 46; XY. Apresentou recidiva precoce da doença 15 meses após transplante, com perda de quimeirismo (cariótipo 46; XX). Induzida com protocolo IDA-FLAG, apresentando remissão e retorno de quimeirismo completo, cariótipo 46; XY. Iniciou manutenção com azacitidina e manteve por 21 meses. No 24º mês evolui com segunda recaída. Mielograma: 73,9% de blastos, com imunofenótipo positivo para CD13; CD33; CD34; HLA-DR, CD117; CD38; CD45RA, C9 parcial, CD99, MPO, TdT e cariótipo: 47, XXY [5]; 47, XXY add (14) (q? 32) [7], 46 XY[4]. Paciente com alteração de fenótipo em relação a doença inicial - ganho de marcadores CD9, CD99 e perda do marcador CD123. Em cariótipo, presença de cromossomo Y em todas as metáfases analisadas sendo atribuído quadro a leucemia originada das células do doador. Submetida a novo regime quimioterápico, protocolo MEC, porém apresentou refratariedade ao tratamento. Evoluiu a óbito 3 meses após recaída, devido complicações infecciosas.
DiscussãoA leucemia de células do doador é uma entidade rara e possivelmente subdiagnosticada. Na literatura, a maioria dos casos é de linhagem mielóide e o diagnóstico ocorre em média 15 meses após o transplante. Os mecanismos propostos para o surgimento da doença envolvem a primeira mutação genética ocorrendo nas células do doador, com as células susceptíveis adquirindo novas mutações favorecidas pelo ambiente medular do receptor em que a neoplasia original se desenvolveu, associado ao estado de imunossupressão pós transplante, desencadeando o processo de leucemogênese. Há também a possibilidade do clone maligno ter vindo diretamente do doador, contudo não há evidencias que os doadores possuem risco aumentado de desenvolvimento de leucemia. O prognóstico em geral de recaídas após TCTH alogênico é pobre, e não há consenso sobre o melhor tratamento a ser instituído. Como opção terapêutica há regimes de poliquimioterapia e terapia alvo-dirigida, associado a redução de imunossupressão, infusão de linfócitos do doador e até um segundo transplante. A maioria dos pacientes apresenta baixas taxas de remissão e evolui a óbito poucos meses após o diagnóstico, pois foram previamente expostos a diversos agentes e ainda apresentam efeitos do transplante anterior, como foi o caso da paciente relatada.
ConclusãoPacientes submetidos a transplante de medula óssea alogênico podem apresentar leucemia que ocorre nas células no doador como um evento de novo, sendo muitas vezes confundida com recaída. A despeito de tratamento quimioterápico intensivo e mesmo com a possibilidade de um novo transplante, o prognóstico ainda se mantém reservado e até o momento do estudo não se encontra na literatura consenso sobre o melhor manejo desses pacientes.