
As infecções de corrente sanguínea constituem uma das principais causas de mortalidade em pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), e são consideradas mais graves quando ocasionadas por bactérias multirresistentes a drogas (MDRs). Os pacientes onco-hematológicos possuem maior suscetibilidade devido a fatores como: a debilidade do sistema imune pela doença de base e pelo tratamento, o dano às barreiras anatômicas, e a translocação de bactérias colonizadoras a partir do epitélio intestinal lesionado. Tendo em vista que são escassos os estudos em centros brasileiros que avaliam o impacto da colonização por bactérias MDRs na evolução clínica de pacientes de TCTH, este trabalho teve como finalidade investigar a influência desta colonização prévia no desenvolvimento de infecções de corrente sanguínea e no desfecho clínico pós-transplante.
Material e métodosFoi realizado um estudo de coorte retrospectivo, avaliando 405 pacientes com doenças hematológicas e onco-hematológicas submetidos a um único TCTH entre 2015 a 2021. Os dados clínicos foram registrados até o D+100 ou o momento da alta hospitalar, e de acordo a triagem realizada com swabs retais para a pesquisa de bactérias colonizadoras nos períodos pré e pós-transplante, os pacientes foram divididos em dois grupos: (i) não colonizados, e (ii) colonizados por bactérias MDRs, este último ainda sendo subdividido conforme o momento de evidenciação da colonização. Para ambos os grupos, foram documentadas as infecções de corrente sanguínea causadas por micro-organismos multirresistentes, bem como o tempo de internação e a mortalidade.
Resultados258 pacientes (63,7%) foram classificados como não colonizados, e 147 (36,3%) como colonizados. Dentre os pacientes colonizados pré-transplante ou até o D+30, 7 de 83 tiveram hemoculturas positivas para Escherichia coli produtora de beta-lactamase de espectro estendido (ESBL), 4 de 30 para Klebsiella pneumoniae produtora de ESBL, 13 de 40 para K. pneumoniae resistente a carbapenêmicos, e 1 de 1 para Serratia marcescens e Pseudomonas aeruginosa multirresistentes. Somente 2 pacientes não colonizados apresentaram infecções de corrente sanguínea por bactérias MDRs. Dos 13 indivíduos com infecção por K. pneumoniae resistente a carbapenêmicos, 8 (61,5%) foram a óbito. Em relação ao tempo de internação, no transplante autólogo a média do número de dias não internados (em que o óbito representa zero) em 100 dias foi de 80,6 dias para os pacientes não colonizados e de 58,8 dias para os colonizados, enquanto na modalidade alogênico foi de 41,8 e 40 dias, respectivamente. A taxa de mortalidade dos pacientes não colonizados foi de 5,8%, enquanto 10,9% dos pacientes colonizados foram a óbito, representando um aumento de 88%.
DiscussãoOs dados reforçam a importância das medidas de triagens para pesquisa de organismos multirresistentes colonizadores, de precaução de contato de pacientes colonizados e de tratamento empírico com antimicrobianos apropriados. Estudos mais aprofundados são necessários para caracterizar possíveis fatores de risco que identifiquem indivíduos mais propensos a desenvolver infecção de corrente sanguínea pelo mesmo agente previamente colonizador.
ConclusãoA colonização pré-transplante ou até o D+30, com destaque para aquela por K. pneumoniae resistente a carbapenêmicos, está associada a um aumento da incidência de infecções de corrente sanguínea por bactérias MDRs e da mortalidade pós-TCTH.