
Descrever as características clínicas e laboratoriais da Hemofilia adquirida mediante a apresentação de um caso.
Relato de casoPaciente masculino, 62 anos, apresentou quadro de edema extenso de membro inferior direito em ascensão, associado a queda da hemoglobina e equimose extensa. Foi realizado ecodoppler, sem evidência de TVP na época. Referia dores generalizadas, principalmente em joelhos, rigidez matinal de cerca de 5-10 minutos e aparente fenômeno de Raynaud pelo que procurou reumatologista que diagnosticou Esclerose Sistêmica e iniciou uso de metotrexato 15m semanal, ácido fólico 5mg semanal e prednisona 5 mg 12/12h. Foi encaminhado para o serviço de Reumatologia da nossa instituição para atendimento pelo SUS após 1 ano de início do quadro. Por persistência de episódios de hematomas espontâneos, foi solicitado novamente os seguintes exames: anti-mitocôndria, anti-DNA, cardiolipina IgM e IgG, anti-RNP, anti-SCL70, anti-SM, anti-SSA, anti-SSB que vieram todos negativos destacando pouca probabilidade de doença reumatológica. Foi solicitada avaliação da nossa equipe para descartar coagulopatia. A primeira avaliação hematológica ocorreu 18 meses após inicio do quadro. Inicialmente solicitado tempos de coagulação e fibrinogênio, que mostrou TTpA alargado de 46,7 segundos, TP normal com RNI 1 e dosagem de fibrinogênio normal (340XXX). Posteriormente, foi avaliado os fatores de coagulação, que veio normal para Fator XIII (98%), Fator IX (63%), FvW (225%) e Fator XI (83%), porém com Fator VIII baixo (4%) e com Inibidor do fator VIII alto (142,92). Com esses resultados foi estabelecido o diagnóstico de Hemofilia A adquirida. Foi iniciado corticoterapia com Prednisona 60mg/dia e encaminhado ao centro de referência de hemofilia do estado do RS que é o Hemocentro.
DiscussãoA hemofilia A adquirida é uma doença autoimune rara causada por produção espontânea de autoanticorpos que neutralizam ativação do fator VIII. Sua incidência é de cerca de 1,3 a 1,5 casos por um milhão de pessoas por ano, com maior prevalência em pessoas de 65 a 85 anos. As razões para a produção desses inibidores ainda são pouco esclarecidas. As principais causas são gravidez, pós-parto, artrite reumatoide, neoplasia, lúpus eritematoso sistêmico e reação a medicações. O sangramento subcutâneo é o mais comum, seguido do muscular, genitourinário e retroperitoneal. A mortalidade do episódio agudo de sangramento varia de 8-22%, com o maior risco nas primeiras semanas do quadro e associação com comorbidades. Suspeita-se quando o paciente apresenta um TTPa prolongado e quadro clínico sugestivo. Importante dosar os níveis de fatores VIII, IX, XI e XII e um resultado de nível baixo de fator VIII é sugestivo dessa patologia. O tratamento se dá com controle da doença de base, no uso do Fator VIII recombinante ativado ou complexo protrombínico parcialmente ativado para controle de sangramento e imunossupressão para erradicação do inibidor. Atrasos nesse diagnóstico, como no caso do paciente, podem acarretar em risco de sangramentos que aumentam a morbi-mortalidade desses pacientes.
ConclusãoApesar de ser uma doença relativamente infrequente, é extremamente importante o reconhecimento clínico precoce desta entidade para assim iniciar o tratamento oportuno, e evitar complicações graves.