HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosAs coagulopatias adquiridas representam causas raras e desafiadoras de sangramentos. Dentre elas, destaca-se a hemofilia A adquirida, caracterizada pela formação de autoanticorpos inibidores do fator VIII da coagulação. Essa condição compromete a via intrínseca da hemostasia, resultando em sangramentos graves, em pele, mucosas, músculos e trato gastrointestinal. O diagnóstico baseia-se na presença de sangramento não explicado, Tempo de Tromboplastina Parcial ativada (TTPa) prolongado sem correção no teste da mistura, e confirmação laboratorial por dosagem reduzida do fator VIII e detecção de inibidor em unidades de Bethesda. O tratamento visa ao controle do sangramento com agentes bypass (rFVIIa ou FEIBA) e à erradicação dos inibidores por meio de imunossupressão.
Descrição do casoPaciente J.B.S., 80 anos, hipertensa, com fibrilação atrial e AVC prévio, procurou pronto atendimento devido a hematomas espontâneos em face, pescoço, membros superiores, além de macroglossia e cianose lingual. Durante investigação inicial, observou-se TTPa prolongado, sem correção após o teste da mistura. Frente à hipótese de coagulopatia, foram descartadas causas autoimunes e reumatológicas, e solicitadas dosagens específicas, como fator VIII e inibidor do fator, que resultaram em 1% e 64 unidades de Bethesda, respectivamente, confirmando o diagnóstico de hemofilia A adquirida. Iniciou-se prednisona 1 mg/kg/dia associada à azatioprina (150 mg/dia), com boa resposta e regressão dos hematomas. Nos meses seguintes, realizou-se desmame gradual do corticoide, sem novas manifestações clínicas, embora o TTPa permanecesse alterado. Após seis meses, optou-se por suspender a azatioprina devido à ausência de normalização laboratorial. Devido à idade avançada da paciente e ao risco de toxicidade, outros imunossupressores não foram introduzidos. A paciente manteve-se estável até oito meses após o episódio inicial, quando apresentou, subitamente, volumoso hematoma periorbitário, seguido por sangramento ocular ativo com exteriorização expressiva, comprometendo a acuidade visual. Diante da gravidade do quadro, foi iniciado complexo protrombínico parcialmente ativado (FEIBA), retomada a dose de ataque de prednisona e reintroduzida a azatioprina. A partir do quarto dia de uso do agente bypass, observou-se redução progressiva do sangramento, permitindo sua retirada gradual. Após resolução completa do quadro, a paciente recebeu alta hospitalar em uso de prednisona e azatioprina, mantendo seguimento ambulatorial.
ConclusãoA hemofilia A adquirida é rara, podendo manifestar-se com sangramentos graves e atípicos, como o ocular observado neste caso. O manejo requer equilíbrio entre controle da hemorragia e imunossupressão, respeitando as condições clínicas do paciente. Este caso evidencia a possibilidade de recidiva hemorrágica grave mesmo após controle inicial, reforçando a importância de vigilância contínua e reavaliação terapêutica. O diagnóstico deve ser considerado diante de TTPa prolongado isolado e sangramento espontâneo. O reconhecimento precoce e o tratamento individualizado são fundamentais para evitar desfechos fatais.
Referências:
- 1.
Tiede A, et al. Int recommendations on diagnosis and treatment of acquired hemophilia A. Haematologica. 2020;105(7):1791-801. doi:10.3324/haematol.2019.230771.
- 2.
Sarmiento Doncel S, et al. Haemophilia A: clinical manifestations, treatment, mutations, and inhibitors. Hematol Rep. 2023;15(1):130-50. doi:10.3390/hematolrep15010014.




