
Relatar um caso de Hemofilia A adquirida em adolescente.
MétodosDescrição de um caso clínico e revisão da literatura.
ResultadosPaciente feminina, 14 anos, sem história pessoal/familiar de distúrbio hemorrágico e uso medicamentos, iniciou quadro de hematúria, sangramento uterino anormal e grandes hematomas pelo corpo. Foi atendida em serviço de emergência, constando em relatório médico suporte hemoterápico com concentrado de hemácias, crioprecipitado e plasma, sem melhora do sangramento, sendo transferida para avaliação da Hematologia Pediátrica. A admissão apresentava as seguintes alterações laboratoriais: Hb 5,4 g/dL; Pq. 248.000 μL; TP 11,4s/controle11s; TTPa 58,6s/controle 26,5s; teste de mistura TTPa sem correção, compatível com presença de inibidor cuja dosagem foi 36,8 UB/mL, anticoagulante lúpico positivo; dosagens de fatores VIII: 0,4%, IX: 104,1% e FVW: 129%, compatíveis com Hemofilia A adquirida grave (demais exames negativos). Iniciado tratamento com Complexo Protrombínico Parcialmente Ativado-CCPa (75 UI/kg/dose ×2 por 7 dias) e imunossupressão com prednisona 1,5 mg/kg/dia. No sétimo dia do tratamento, paciente evoluiu com controle do sangramento, porém com elevação da titulação do inibidor 54,4 UB/mL e fator VIII mantinha-se indetectável. Nesse momento, foi associado ciclofosfamida 1,5 mg/kg/dia, monitorização semanal do título de inibidor e do fator VIII. Após 2 meses de tratamento houve negativação do inibidor e o fator VIII atingiu nível sérico hemostático. Iniciado desmame da imunossupressão e suspensão após 6 meses do início. Propedêutica negativa para doenças de base, até o momento, com pesquisa de inibidor negativo, dosagem de fator VIII dentro da normalidade. Paciente segue em acompanhamento clínico, assintomática.
DiscussãoA hemofilia adquirida é um distúrbio hemorrágico autoimune, potencialmente fatal, na maioria dos casos por autoanticorpos (inibidor) contrafator VIII. A incidência é estimada em 0,2‒1 caso/1 milhão pessoas/ano e rara na população pediátrica. Geralmente ocorre de forma súbita, em crianças previamente hígidas, sem história hemorrágica prévia. O quadro clínico difere da hemofilia hereditária e, se manifesta frequentemente com hematomas, seguidos por hemorragias musculares/gastrointestinais/geniturinárias/retroperitoneais ou até mesmo, sem sangramento. A suspeita diagnóstica ocorre pela análise dos exames laboratoriais, com alargamento do TTPa não corrigido após o teste de mistura e confirmado pela dosagem do fator VIII e pesquisa de inibidor, que estarão baixo/indetectável e positivo, respectivamente. O tratamento objetiva interromper o sangramento agudo com administração de fator da coagulação de bypass (FVIIr, CCPa) ou FVIII recombinante e imunossupressão para erradicação do inibidor.
ConclusãoEmbora a Hemofilia A adquirida na infância seja extremamente rara, deve ser considerada nos pacientes que se apresentem com quadro hemorrágico agudo, sem história prévia, e alteração de TTPa. Em situações de urgência, o teste de mistura é útil no diagnóstico e decisão terapêutica, evitando suporte hemoterápico inadequado. A maioria dos casos pediátricos possui alguma patologia de base (doenças autoimunes, infecciosas, neoplásicas) e uso de medicações, por isso a importância da investigação inicial e acompanhamento clínico do paciente.