
As doenças linfoproliferativas B (LPB) resultam de mutações durante a maturação dos linfócitos B. A coexistência de leucemia linfocítica crônica (LLC)/linfoma de pequenos linfócitos (LPL) com outras LPB é a associação mais comum dessas doenças. Este trabalho tem como objetivo relatar 2 casos de doenças biclonais, sendo Macroglobulinemia de Waldenstrom (MW)/Linfoma Linfoplasmocítico-IgM (LLP) e Linfoma de Células do Manto (LCM) concomitantes a LLC/LPL.
Relato de casoPaciente 1: 63 anos, masculino, apresentou em exame de rotina pico monoclonal (PM) de 3.7 g/dL em eletroforese de proteínas, IgM 5641 mg/dL e ao hemograma Hb 10.5 mg/dL e linfócitos 2930/mm3. A biópsia de medula óssea (BMO) revelou infiltração medular de 25% por LLP e 20% por LLC/LPL. Em tomografias evidenciadas linfonodomegalias, sendo feitas biópsias, com resultado de infiltração por LLC/LPL. Manteve-se sob observação clínica até março de 2024 quando apresentou sangramento conjuntival associado a IgM de 5850 mg/dL. Na análise genética apresentou IgH e MYD88 mutados, e del17p e mutação do TP53 negativos. Realizada plasmaférese com melhora do quadro agudo e indicado tratamento com Acalabrutinib, inibidor da tirosina quinase de Bruton (iBTK), pela ação nos dois clones. Com 2 meses de tratamento, houve melhora da anemia (Hb 13.7 mg/dL), redução de IgM em 31% (5725 > 3896 mg/dL) e do PM em 45% (3.71 g/dL > 2 g/dL) e redução de 64% dos linfonodos. Paciente 2: 62 anos, feminina, notou nódulo cervical em março de 2021, que foi biopsiado com resultado de LCM. Apresentava ao hemograma Hb 13.9 g/dL e linfócitos 2480/mm3 e a BMO com infiltração de 20% por LLC/LPL. Na análise genética apresentou IgH mutado e ausência de deleção do 17p. Ficou em seguimento até maio de 2024, quando evoluiu com disfagia e edema facial por compressão tumoral, sendo optado por Acalabrutinib e Obinutuzumab pela ação nos dois clones. Atualmente em uso do iBTK, em resposta, e aguardando autorização do convênio para Obinutuzumab.
DiscussãoDoenças biclonais concomitantes a LLC/LPL são raras, com poucos relatos na literatura. Sugere-se que a alteração do microambiente celular pela LLC/LPL seja o fator de risco para predisposição a outras LPB. Diante da suspeita de biclonalidade, é necessário individualizar o quadro clínico para melhor escolha terapêutica. Para o diagnóstico preciso recomenda-se análise laboratorial, histológica, imunofenotípica (IFT) e genética. A IFT é o melhor método para diferenciação, tanto na medula óssea quanto em sangue periférico. A pesquisa de mutação do MYD88 é útil para diferenciar a LLC de MW, visto que é rara em outras LPB, assim como as mutações do IgH são raras em MW e LCM e comuns na LLC. Já o LCM é caracterizado pela translocação (11;14) e SOX11 positivos, sendo bastante específicos no diagnóstico. Não há um tratamento padrão no cenário de duas doenças concomitantes. Relatos de casos disponíveis na literatura utilizaram iBTK devido ação para ambos os clones. Acredita-se que assim é possível evitar uma mudança no microambiente tumoral, seleção do clone mais agressivo e sua respectiva piora clínica.
ConclusãoA identificação do clone preponderante versus o incidental é importante no contexto de doenças clonais concomitantes para se individualizar o tratamento visando controle do clone principal e otimizar desfechos clínicos.