
A Doença Falciforme (DF) é um grupo de anemias hemolíticas hereditárias causadas por mutações no gene da β-globina. A proteína mutante, conhecida como βS-globina, tende a polimerizar em baixas tensões de oxigênio e a este fenômeno estão associados a hemólise e a vasoclusão que são os dois processos fisiopatológicos que sintetizam a doença. O único tratamento curativo eficiente e disponível é o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas, limitado à existência de doador HLA idêntico. Neste cenário, a terapia gênica figura como opção de tratamento curativo para os cerca de 80% dos pacientes que não possuem doador compatível. Por isso, este trabalho avaliou as abordagens, estratégias, evolução e localização dos testes clínicos atualmente cadastrados. Os dados foram obtidos na plataforma clinicaltrials.org em 01/07/2022 por meio de três buscas. Estas buscas combinaram o termo “sickle cell” à “gene therapy”, “autologous hematopoietic stem cell transplantation” e “CRISPR”e encontraram 40, 15 e 6 testes clínicos, respectivamente. Após exclusão dos testes duplicados e não relacionados a protocolos intervencionistas utilizando células autólogas modificadas, 16 testes foram incluídos nas análises posteriores. A maioria dos ensaios são multicêntricos (n = 9), patrocinados pela indústria (n = 12) e seguem recrutando pacientes (n = 9). Os EUA é o país com maior número de testes clínicos (n = 14) e de centros (n = 54) cadastrados, seguido pela França que possui 3 testes e 3 centros. Outros 6 países do hemisfério norte possuem testes clínicos cadastrados. A indução de hemoglobina fetal é a estratégia terapêutica utilizada pela maioria dos testes (n = 9) e o BCL11A (n = 6) é o principal alvo utilizado para este fim, seguido pelo gene da -globina (n = 3). A inserção gênica de β-globinas terapêuticas (n = 5) e a correção da mutação falciforme (n = 2) são as outras estratégias terapêuticas encontradas. As técnicas utilizadas são: edição gênica (n = 7); adição gênica (n = 6); inibição pós-transcricional com shRNA (n = 2); e uso combinado de adição gênica e shRNA (n = 1). As drogas mais relatadas para mobilização de células CD34+ e mieloablação são o Plerixafor (n = 10) e o Bussulfano (n = 11), respectivamente. Resultados preliminares têm demonstrado que as diferentes estratégias são capazes de eliminar as crises vaso-oclusivas graves e demais eventos clínicos dos pacientes após o tratamento. Entretanto, o acompanhamento dos pacientes a longo prazo é necessário para determinar se existe uma abordagem terapêutica mais eficiente ou segura, sobretudo após os dois casos de Síndrome Mielodisplásica/Leucemia Mieloide Aguda relatados em pacientes tratados com LentiGlobin. Por fim, o desenvolvimento de métodos alternativos focados na redução de custos e riscos devem ser encorajados. Tais métodos podem viabilizar a terapia gênica como opção de tratamento em países em desenvolvimento que possuem alta prevalência de DF (como Brasil, Índia e países da África Sub-Saariana) nos quais não existe nenhum estudo clínico sendo desenvolvido. CAPES, CTC (2013/08135-2), CNPq (442676/2020-4).