
Avaliar a qualidade de vida de crianças e adolescentes com doença falciforme, em Regime Transfusional Crônico (RTC) para profilaxia de Acidente Vascular Cerebral (AVC), segundo a percepção dos cuidadores.
Material e métodosEstudo transversal, com entrevista sociodemográfica e aplicação de instrumento validado (Pediatric Quality of Life Inventory) a 16 cuidadores de pacientes com idade inferior a 18 anos, em RTC para profilaxia primária ou secundária de AVC, em hemocentro de referência. Os dados foram processados no programa STATA versão 13.0. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de instituição vinculada (CAAE 13603419.9.0000.5209).
ResultadosOs cuidadores possuíam renda inferior a 2 salários-mínimos (81,2% dos casos) e mais de 8 anos de escolaridade (56,2%). Os pacientes tinham idade média de 10,4 anos e 68,8% eram do sexo masculino. A média geral de Qualidade de Vida (QV) foi de 45,8 (95% IC 42,5‒49,2). O sexo feminino e os menores de 12 anos apresentaram níveis inferiores de QV global. O aspecto emocional dos filhos foi o menos comprometido na avaliação dos responsáveis (escore de 56,2±4,2 e 95% IC 48,7–63,8). Entre meninos, escores mais baixos foram relacionados à capacidade física e escolar (42,0 e 41,8 respectivamente). Entre meninas, o aspecto social recebeu pontuação mais baixa (42,0±6,7 e 95% IC 33,7–50,3). Nos pacientes em regime transfusional de profilaxia primária, os escores mais baixos de QV estiveram relacionados à atividade escolar (36,0±6,5; 95% IC 27,9–44,1). Entre os que realizavam transfusões crônicas após AVC prévio, a capacidade física foi a dimensão mais comprometida na percepção dos entrevistados.
DiscussãoA visão dos cuidadores é útil na avaliação da QV quando crianças são incapazes pela pouca idade, déficit neurocognitivo ou descompensação clínica. Estudos prévios demonstram que crianças com doença falciforme apresentam pior escore de QV comparadas a crianças saudáveis com características socioeconômicas semelhantes. A média global de QV entre pacientes deste estudo corrobora a percepção de que complicações relacionadas à doença, tais como AVC, produzem efeitos aditivos sobre a percepção negativa da QV. Entre crianças que sofreram eventos cerebrovasculares, pesquisas mostram que a escolaridade dos responsáveis age como fator de proteção emocional. Quanto maior a escolaridade dos cuidadores, maior a qualidade e a quantidade de estímulos adequados ao desenvolvimento da criança. É possível que a visão dos cuidadores seja influenciada por papéis de gênero atribuídos pela sociedade. A literatura descreve que meninas mais velhas com DF apresentam maior percepção de estigmas relacionados à saúde e pior QV pois são frequentemente forçadas a lidar com concepções prejudiciais de que são mais maduras e menos necessitadas de proteção. Pesquisas corroboram que o desempenho escolar afeta a qualidade de vida nesse grupo, em decorrência do absenteísmo causado por frequentes visitas hospitalares. Dentre as limitações do estudo, o tamanho da amostra e o recorte transversal impedem a realização de análises estatísticas mais complexas e a determinação de causalidade.
ConclusãoA média geral da QV da população com doença falciforme em regime transfusional crônico é inferior à média global estimada de QV presente na literatura. É possível que a ocorrência do acidente vascular cerebral acentue as percepções negativas dos cuidadores sobre a qualidade de vida dos pacientes com doença falciforme.