
A indicação de tratamento do Mieloma múltiplo (MM) está bem estabelecida e segue os critérios definidos como “SLIM CRAB”. Outras indicações de tratamento devem ser analisadas caso a caso.
Resumo do casoMulher, 44 anos, avaliada no ambulatório de dermatologia por quadro de flacidez cutânea há 8 anos. Fez cirurgia plástica em face para fins estéticos há 7 anos, porém, meses após o procedimento, teve recidiva da flacidez, com acometimento de outras regiões do corpo, além de início progressivo de dispneia aos esforços. Realizou biópsia cutânea com achado de cutis laxa. A paciente foi encaminhada ao serviço de pneumologia e, após avaliação clínica e espirométrica, foi feito diagnóstico de enfisema pulmonar, evoluindo com dependência de O2 suplementar. Neste momento da investigação, foi solicitada eletroforese de proteínas com visualização de pico monoclonal sérico de 0,2 g/dL em gama. Por conta deste resultado, foi encaminhada à hematologia para investigar doença plasmocitária. Apresentava anemia normocítica normocrômica (Hb 10,9 g/dL), Cr 1,15 mg/dL e Cai 4,6 mg/dL, sem alterações no inventário ósseo. O resultado da imunofixação sérica foi a presença de IgG lambda com relação de cadeias leves livres de 3,3. Na avaliação urinária, paciente apresentou proteinúria de 640 mg/24h com eletroforese de proteína urinária negativa e imunofixação lambda livre. Na avaliação medular, apresentava mielograma com 2,4% de plasmócitos e a biopsia 15% sem evidência de clonalidade. Aventada hipótese de gamopatia monoclonal de significado clínico, sendo optado por iniciar tratamento com esquema VTD (bortezomib + talidomida + dexametasona). No segundo ciclo evoluiu com proteinúria nefrótica (3,6 g/24h) e disfunção renal aguda (Cr 2,4 mg/dL). Indicada biópsia renal com achado de doença por deposição monoclonal de cadeia pesada de imunoglobulina (Tipo Randall). Nesse momento, houve a troca da talidomida do esquema por ciclofosfamida (dose fixa de 500 mg) com paciente realizando 8 ciclos de VCD. Após término do tratamento, realizada reavaliação do status da doença com resposta completa - negativação de imunofixação sérica e ausência de infiltração medular. Paciente segue sem progressão de doença pulmonar e renal.
DiscussãoA doença de deposição de cadeia pesada é uma forma rara de discrasia plasmocitária associada ao MM em 40% dos casos. A fisiopatologia envolve a deposição de cadeias pesadas das imunoglobulinas de maneira anômala nos tecidos, desencadeando sintomas específicos. Um dos sítios preferenciais é o rim, onde essa deposição pode levar a um quadro de proteinúria nefrótica. Quando depositada no tecido cutâneo, pode resultar no desenvolvimento da cútis laxa adquirida. Essa rara condição leva a perda de elasticidade da pele pelo acúmulo de material anormal, no caso em questão, depósito de cadeias pesadas. Pode acometer também tecidos internos, como o pulmão, levando à enfisema pulmonar. O diagnóstico e tratamento dessas condições é desafiador e inclui a terapêutica para a doença plasmocitária. Os sintomas cutâneos e pulmonares devem ser tratados de forma precoce para garantir a manutenção da qualidade de vida dos pacientes, pois, uma vez que as sequelas se instalam, geralmente não há reversão.
ConclusãoApesar de ser uma condição rara, a presença da cutis laxa adquirida deve fomentar a investigação de doenças plasmocitárias de base, já que o início precoce do tratamento é essencial para evitar a progressão das sequelas causadas pela doença.