
Descrever o manejo de uma gestante com hemoglobinúria paroxística noturna (HPN).
Material e métodoMediante consentimento livre e esclarecido da paciente, dados clínicos e laboratoriais foram coletados através de entrevista e registros em prontuário eletrônico.
Resultados/Relato de casoMulher de 28 anos, previamente hígida, atleta, diagnosticada com anemia aplástica grave em 2014, tratada com imunoglobulina de coelhos antitimócitos humanos associada à ciclosporina com resposta completa. Em 2018, apresentou novamente pancitopenia grave e aumento dos níveis séricos de desidrogenase lática. A biópsia de medula óssea mostrou celularidade normal para a idade, sem células anômalas, e a imunofenotipagem evidenciou alterações compatíveis com HPN em 27% das hemácias, 81% dos neutrófilos e 83% dos monócitos. Em 2020, foi iniciado o tratamento com eculizumabe, com bom controle laboratorial da doença: Hb 10,2 g/dL, leucometria 5724/mm3, 1485 segmentados, 190.000/mm3 plaquetas, reticulócitos 2,8% e LDH 483 U/L (VR: 230-480). Clinicamente a paciente apresentava apenas raros episódios de dor abdominal inespecífica, sem hemoglobinúria. Em agosto de 2021, uma gestação não planejada foi descoberta já na 20a semana. Não houve intercorrências no pré-natal, exceto uma infecção do trato urinário baixo. As medicações habituais foram mantidas (eculizumabe, ferro quelato e folato) e enoxaparina profilática foi adicionada ao esquema terapêutico. No oitavo mês de gestação, houve piora dos exames laboratoriais (Hb 8,5 g/dL, leucometria 4589/mm3 (segmentados 1560), plaquetas 86.000/mm3, reticulócitos 5,6%, LDH 2657 U/L). Não havendo recurso para se aumentar a dose de eculizumabe, optou-se por transfusão de hemácias e vigilância clínica. A paciente entrou em trabalho de parto na 37a semana, um dia após a infusão de eculizumabe, sendo submetida à cesariana. No pós-operatório imediato, evoluiu com hemólise grave (Hb 4 g/dL), hemoglobinúria franca, mas sem prejuízo da função renal. Foram necessárias 3 transfusões de hemácias. O bebê nasceu saudável, com 2700 gramas. A anticoagulação materna foi mantida durante todo o puerpério. Não houve eventos tromboembólicos.
DiscussãoA HPN é uma doença rara (incidência de 1-1,5/milhão), que pode ou não estar associada à anemia aplástica ou a outras síndromes falência medular. É causada por uma mutação adquirida no gene da fosfatidilinositolglicana, que leva à deficiência de determinadas proteínas ancoradas à membrana citoplasmática, tornando as células sanguíneas sensíveis à lise pelo sistema complemento. Além de hemólise intravascular e consequente anemia, a HPN aumenta o risco de tromboses e insuficiência renal. A introdução do eculizumabe como tratamento da HPN de alta atividade melhorou o prognóstico e a sobrevida dos pacientes. O período gestacional, no entanto, devido à ativação do complemento que ocorre sobretudo no terceiro trimestre, cursa com alto risco de eventos tromboembólicos, morte materna, abortamento e parto prematuro.
ConclusãoApesar do prognóstico dos pacientes com HPN ter evoluído favoravelmente com o uso de bloqueadores do complemento, a gestação ainda é considerada de alto risco nessa população. O caso relatado ilustra que uma gestante com HPN, mesmo em uso regular de eculizumabe e tromboprofilaxia, não está livre de um evento desfavorável e ameaçador da vida.