
A policitemia vera (PV), neoplasia mieloproliferativa de maior prevalência mundial, é caracterizada pelo aumento da massa de glóbulos vermelhos, usualmente associada a presença da mutação no gene JAK2 (mutação V617F). Esse aumento promove hiperviscosidade do sangue a qual determina a clínica e as complicações como um evento trombótico. A leucemia linfocítica crônica (LLC) é caracterizada pela proliferação clonal e acúmulo de células B maduras no sangue, medula óssea, linfonodos e baço. É mais prevalente em homens, sua idade média é 72 anos no diagnóstico e sua incidência aumenta com a idade.
Relato do casoER, 84, sexo masculino, trouxe exames laboratoriais consecutivos recentes que mostravam uma número de hemácias > 6 milhões/mm3, hemoglobina > 17,4 g/dL, hematócrito > 52% e leucometria superior a 15.900/mm3 (às custas de neutrófilos segmentados e linfócitos) sem infecção associada. Tinha histórico de trombose venosa profunda em membro inferior esquerdo necessitando usar Xarelto por 6 meses. Foi, então, solicitado ao paciente alguns exames para suspeita do diagnóstico de PV, o qual foi confirmado pela presença da mutação no gene JAK-2 e sendo classificado como alto risco. Foi prescrito 2 comprimidos de hidroxiureia 500 mg por dia, sangria quinzenal de 450 mL por 1 mês com hemograma posterior como conduta inicial. No acompanhamento, houve a melhora do hemograma, não sendo necessário novas sangrias e mantendo a hidroxiureia oral com controle quinzenal. Na sequência, foi reduzido a dose do fármaco para 1 comprimido/dia intercalado com 2 comprimidos/dia, com posterior estabilização do quadro. Durante o acompanhamento, o paciente apresentou uma anemia com linfocitose atípica, então, foi solicitado imunofenotipagem que identificou um percentual de 66,5% de linfócitos B, CD23+, CD5+, CD43+, CD200 forte e CD79b negativos, fechando diagnóstico de LLC concomitante ao diagnóstico prévio de PV. A partir disso, a dose de hidroxiureia foi diminuída para 1 comprimido/dia, objetivando melhorar o eritrograma, e um monitoramento mais assíduo foi instalado para averiguar a PV, que logo se estabilizou. Entre o ano de 2017 e 2018, expressou uma linfocitose progressiva até 48.560/mm3 sem sintomas associados, então foi instituído monitoramento clínico frequente com exames laboratoriais e verificação de sintomas. Nos acompanhamentos seguintes, ele apresentou um leucograma de 79.650/mm3, sendo implementado uma nova terapia com ciclos de 7 dias de Leukeran via oral com 6 comprimidos/dia para tratar a LLC, os quais foram bem tolerados. Por fim, o paciente encontra-se em remissão do quadro leucêmico e com resolução da PV.
DiscussãoA mutação V617F no gene JAK2 é frequente nas Síndromes Mieloproliferativas Crônicas não Philadelfia, a altura em que ela ocorre ainda é desconhecida, porém estudos recentes mostram que ocorre em ambas as linhagens sanguíneas. Nestes pacientes que tiverem a hidroxureia como uma de suas medicações terapêuticas, um acompanhado mais rigoroso com hemogramas frequentes é necessário pelo risco de o paciente desenvolver uma leucemia futura.
ConclusãoTanto a PV e como a LLC são importantes patologias hematopoiéticas que estão relacionados entre si pela sua origem na mesma mutação genéticas. Logo é possível que o paciente tenha desenvolvido a LLC pós PV pelo própria mutação genica ou, mais provável, em virtude do uso da hidroxiureia.