
Relatar caso de diagnóstico e manejo de coinfecção por HHV6 e toxoplasmose após segundo Transplante de Medula Óssea (TMO) alogênico.
Relato de casoPaciente feminina, 59 anos, diagnóstico prévio de carcinoma de mama e peritônio, com diagnóstico hematológico de síndrome mielodisplásica de alto risco (IPSS-M 1,6, IPSS-R 5) em 2023. Foi submetida a TMO alogênico aparentado HLA idêntico em agosto/2023 em primeira linha de tratamento, porém evoluiu com recaída de doença no D+150. Paciente foi submetida a novo tratamento com Venetoclax associado a Azacitidina, além de infusão de linfócitos do doador (3 alíquotas). Paciente seguiu com perda progressiva de quimera do doador e progressão da doença para Leucemia Mieloide Aguda. Optado por reindução com Topotecano-AraC, sendo a paciente encaminhada em aplasia para 2ºTMO alogênico haploidêntico, em junho/2024, com regime de condicionamento RIC – FluCYTBI4, e profilaxia tripla para GVHD com ciclofosfamida pós-transplante (CyPT), micofenolato de mofetila (MMF) e ciclosporina (CsA). Apresentou enxertia neutrofílica no D+17, recebendo alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial. Paciente reinterna no D+30 por desorientação temporo-espacial, evoluindo com crises convulsivas tônico-clônicas. Realizou RNM de crânio, EEG e punção liquórica que confirmaram diagnóstico de encefalite por HHV6 e neurotoxoplasmose. Iniciado tratamento com Ganciclovir por 21 dias até negativação de PCR sérico para HHV6, e Bactrim com programação de 6 semanas de tratamento. Paciente apresentou melhora importante na RNM de controle após 21 dias de tratamento, porém com necessidade de uso de terapia anticonvulsivante otimizada e ainda com despertar insatisfatório do ponto de vista neurológico.
DiscussãoA reativação do herpesvírus tipo 6 ocorre em mais de 50% dos pacientes submetidos a TMO alogênico com repercussão clínica em aproximadamente 40% dos casos. Apesar da encefalite constituir apresentação rara, o HHV6 é o principal agente associado a essa complicação. Dentre os principais fatores de risco destaca-se TMO alogênico prévio, uso de CyPT para profilaxia de GHVD e corticoterapia. Correlaciona-se com prognóstico reservado, com mortalidade em torno de 38%‒58%, com sequela neurológica observada em 57%, além de maior risco de GVHD. A infecção por toxoplasmose por sua vez possui baixa incidência no contexto pós-TMO alogênico (entre 0,4‒8,7%), ocorrendo geralmente entre o D+30 e o D+90 com mortalidade em torno de 60-90%. O caso relatado descreve uma paciente em 2ºTMO alogênico, com uso de CyPT como estratégia de profilaxia de GVHD, sendo, portanto, uma paciente de alto risco para infecções oportunistas conforme evidenciado pela literatura médica. Apesar das características referentes a infecção por HHV6 serem similares às descritas em literatura, a paciente apresentou infecção por neurotoxoplasmose de forma mais precoce, com manifestações cognitivas e sensoriais mais evidentes do que sintomas focais.
ConclusãoA realização de um segundo TMO alogênico além de estar intrinsicamente relacionada à agressividade da doença de base, apresenta alta taxa de mortalidade devido ao estado de imunossupressão intensa do paciente. Infecções oportunistas representam uma das principais causas de morte não relacionada a recaída e portanto, devem fazer parte do diagnóstico diferencial de alterações clínicas e/ou laboratoriais que porventura o paciente apresente.