
Apesar de avanços no manejo das Doenças Falciformes (DF), algumas complicações ainda limitam a qualidade de vida dos pacientes e muitas vezes são refratárias à Hidroxiuréia (HU). Este estudo descreve o impacto do uso de Crizanlizumab (anticorpo monoclonal anti-P-selectina) na ocorrência de priapismo e na evolução de úlceras maleolares em pacientes com DF.
MétodosAnálise retrospectiva de prontuários de 2 pacientes tratados com Crizanlizumabe no Hemocentro UNICAMP.
ResultadosCaso 1: Homem, HbSS, iniciou uso de HU aos 31 anos devido a anemia crônica associada a insuficiência cardíaca sintomática, com grande melhora; mantido com aprox. 18 mg/kg/dia. Um ano após, tem primeiro episódio de priapismo. Mesmo mantendo níveis de HbF ao redor de 16%, nos meses seguintes apresentou crises com frequência crescente, até quase diariamente; optou-se por associar agonista alfa-adrenérgico (etilefrina), sem melhora. Em 2015, incluído em ensaio clínico avaliando eficácia de Crizanlizumabe versus placebo: desde então, não teve novas crises de priapismo, permanecendo assim até o final de sua participação no estudo, quando as crises retornam por até 10 dias consecutivos. Diante da relação direta com a resolução das crises, e após comprovada alocação do paciente no braço de crizanlizumabe, o acesso à medicação foi continuado. Desde então, está livre de crises, em uso de Crizanlizumabe em aplicações mensais de 5 mg/kg. Caso 2: Mulher, 33 anos, HbSS, em uso de HU por crises vasooclusivas recorrentes (média de 5 internações/ano e 2 crises/mês tratadas em domicílio) e com 5 úlceras em membros de difícil controle: maléolos laterais esquerdo e direito, abertas ininterruptamente há 15 e 9 anos respectivamente (ambas medindo aprox. 12 × 5cm) e 3 lesões recorrentes no dorso do pé esquerdo e maléolos internos bilateralmente (todas aprox. 4 × 2cm), complicadas com osteomielite crônica. Foram tentados tratamentos com câmara hiperbárica, bota de Unna e arginina, sem sucesso. Em 2018, HU foi suspensa, mas retomada após 6 meses devido a 5 internações por crises álgicas complicadas e resultando em agravamento das úlceras. A droga foi então mantida em 26 mg/kg/dia, mas com elevações apenas modestas nos níveis de HbF (até 3,7%). Em 2020, paciente em uso crescente de opioides e gabapentina com pouca melhora da dor. Em novembro/2020 inicia tratamento com Crizanlizumabe: desde então com diminuição significativa do número de crises (aprox. 1 a cada 3 meses), nenhuma das quais necessitou de internação. Após 8 meses de uso, houve diminuição progressiva do diâmetro e profundidade das lesões nos maléolo laterais, diminuição significativa da dor, superficialização das lesões nos maléolos mediais e cicatrização completa da lesão em dorso do pé, que permanece fechada há mais de 1 ano.
DiscussãoAlém do papel já comprovado na redução de crises vasooclusivas, crizanlizumabe provavelmente tem impacto positivo em outras manifestações complexas da doença que podem ser refratárias à HU, como priapismo e úlceras de membros. No caso das úlceras, pode-se especular que isso deva-se tanto aos efeitos na vasculatura local quanto à redução das descompensações agudas que podem ocorrer no curso das crises vasooclusivas.
ConclusãoEstes relatos mostram o benefício do uso de Crizanlizumabe na mitigação de recorrências de priapismo e no controle e cicatrização de úlceras maleolares.