
Hemocromatose Hereditária (HH) tipo 3 se caracteriza pela mutação no gene do receptor da transferrina (TFR2); sua apresentação é rara e, em crianças, foram reportados apenas 5 casos em todo o mundo. Este relato é de importância para elucidação da patologia por ser o primeiro caso descrito em criança brasileira.
Materiais e métodosAs informações foram obtidas por meio de revisão do prontuário e da literatura.
ResultadosPaciente masculino, 11 anos, com histórico de hemocromatose na família. Buscou atendimento aos 9 anos por asma e dermatite atópica e os exames solicitados constataram alterações de aminotransferases e ferritina sérica (2580 μg/dL). Exame físico com fígado palpável a 2 centímetros do rebordo costal direito. Exames descartaram diagnósticos diferenciais e ressonância magnética de abdome superior constatou concentração hepática de ferro moderada a grave (209 μmol/g). Realizada a pesquisa genética com exoma completo, foram identificadas duas variantes em heterozigose composta no gene TFR2, confirmando o diagnóstico de HH tipo 3. Iniciou flebotomias isovolêmicas quinzenais (10 mL/kg), com melhora relativa dos níveis séricos de ferritina, mas sem alcançar as metas terapêuticas. Na 16ª sangria, iniciou-se quelante de ferro (Deferasirox 30 mg/kg/dia), sem boa aceitação e, portanto, a medicação precisou ser suspensa com 15 dias de conduta. Apesar do diagnóstico, o paciente não apresenta manifestações clínicas significativas relacionadas ao acúmulo de ferro.
DiscussãoO ferro é essencial para o organismo devido a sua função no metabolismo celular, mas pode ser tóxico quando presente em excesso. O gene TFR2 é responsável por codificar proteína transmembrana que medeia a ligação do ferro com a hepcidina, esta inibe a absorção de ferro intestinal e aumenta a liberação de ferro na corrente sanguínea. Na HH tipo 3 há uma mutação no gene TFR2 cursando com diminuição dos níveis de hepcidina, aumentando a absorção de ferro no intestino e a saída de ferro dos macrófagos, levando ao acúmulo do metal nos tecidos, principalmente no fígado. A HH TFR2 é uma doença rara e, geralmente, os diagnósticos são feitos por volta da terceira década de vida, sendo relatados apenas alguns casos na infância. O paciente descrito trata-se do brasileiro mais jovem a ser relatado como portador de HH TFR2, sendo diagnosticado aos 9 anos de idade. As manifestações clínicas da HH tipo 3 como cirrose, insuficiência cardíaca e artropatias, decorrem de anos de acúmulo de ferro, o que justifica a apresentação mais tardia da doença. É fundamental o diagnóstico precoce pois permite instituir terapêutica com a finalidade de evitar o acúmulo de ferro e melhorar o prognóstico.
ConclusãoApesar da HH TFR2 ser mais diagnosticadas em adultos, não podemos subestimar o acometimento em crianças, pois o acúmulo tecidual de ferro ao longo dos anos pode causar lesões irreversíveis, o que aumenta a morbimortalidade do paciente. Mediante o diagnóstico precoce do caso, o tratamento composto por sangrias e quelantes de ferro pôde ser iniciado antes do paciente apresentar manifestações clínicas da doença. O menino e sua família foram orientados quanto a raridade e gravidade do caso, assim como a necessidade do tratamento e acompanhamento frequentes para evitar complicações e proporcionar melhor qualidade de vida.