HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA leucemia mielomonocítica crônica (LMMC) é uma neoplasia hematopoiética clonal com características mielodisplásicas e mieloproliferativas. Em pacientes de alto risco, o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas (TCTH) representa a única alternativa terapêutica potencialmente curativa. A presença de anticorpos anti-HLA específicos do doador (DSA) constitui obstáculo relevante ao TCTH haploidêntico, sendo que estratégias de dessensibilização, como o protocolo de Ciurea, têm sido empregadas para viabilizar o procedimento. Nesse contexto, infecções oportunistas, embora infrequentes, configuram complicações graves, sobretudo em períodos de imunossupressão intensa.
Relato de casoPaciente feminina, 63 anos, portadora de LMMC de alto risco (CPSS-M = 4), com mutações em RUNX1 (R166Q) e SF3B1 (W658C). Frente à intolerância à azacitidina e progressão da doença, foi indicado TCTH alogênico. Na ausência de doador compatível, optou-se por TCTH haploidêntico com o filho como doador. Detecção de DSA com intensidade > 10.000 MFI motivou dessensibilização com plasmaférese (dias –15, –12, –9), rituximabe (D–8) e imunoglobulina intravenosa (D–7), seguida de regime de condicionamento FluCyTBI (4 Gy). No D–1, realizou-se infusão de concentrado leucocitário (buffy coat) a fresco. Após a infusão, apresentou febre em contexto de neutropenia, sendo iniciada antibioticoterapia empírica com cefepime. No D0, após infusão das células-tronco, evoluiu com reação hemolítica transfusional aguda, necessitando suporte intensivo. Hemoculturas coletadas no D–1 evidenciaram Listeria monocytogenes, motivando troca do antibiótico para ampicilina. Apesar de não apresentar sintomas sugestivos de acometimento neurológico, realizado investigação com ressonância magnética de crânio que mostrou alterações sugestivas de encefalite, já o líquor não identificou alterações. A paciente apresentou estabilização clínica após início da terapia dirigida.
ConclusãoDSA pré-transplante estão fortemente associados à falha de enxertia, especialmente em transplantes haploidênticos. Protocolos como o Ciurea viabilizam o procedimento ao superar essa barreira imunológica, porém acarretam imunossupressão por período mais prolongado. Estudos demonstram risco até duas vezes maior de infecções graves no primeiro ano pós-transplante nesses pacientes. A ocorrência precoce de bacteremia por Listeria monocytogenes, ainda no período pré-enxertia, evidencia tal vulnerabilidade. A listeriose é uma infecção rara, mas potencialmente grave em imunossuprimidos, podendo cursar com manifestações clínicas inespecíficas, como febre isolada, principalmente, nesse tipo de paciente. A identificação precoce e o início oportuno de cobertura antimicrobiana adequada são fundamentais, mesmo na ausência de sintomas específicos. Este relato demonstra a viabilidade do TCTH haploidêntico após dessensibilização de DSA em paciente com LMMC de alto risco. Ressalta-se, contudo, a necessidade de vigilância infecciosa rigorosa nesse contexto. A introdução precoce de antibióticos eficazes contra Listeria monocytogenes pode ser crucial para evitar desfechos desfavoráveis, dada sua gravidade potencial e apresentação clínica atípica.




