
Delinear a experiência dos últimos 8 anos de acompanhamento diagnóstico e terapêutico das hemoglobinopatias do espectro falciforme em serviço médico de hematologia & hemoterapia no interior do estado de São Paulo.
Material e métodosEstudo descritivo, retrospectivo e observacional realizado a partir de dados obtidos por meio da análise de prontuários eletrônicos de portadores de hemoglobinopatia falciforme admitidos e atendidos de janeiro de 2012 (ano de implantação do sistema de prontuários eletrônicos nesta instituição) a dezembro de 2020 em serviço médico especializado em hematologia no interior paulista. Incluídos pacientes vivos, maiores de 18 anos, com confirmação diagnóstica por eletroforese de hemoglobinas séricas e frações, bem como demais exames complementares que tenham sido necessários, e que estavam em seguimento e acompanhamento regular com hematologista, nutricionista e psicólogo. Excluídos pacientes que evoluíram a óbito previamente à coleta de dados, menores de 18 anos, sem seguimento clínico regular e sem confirmação diagnóstica documentada por exames auxiliares.
Resultados130 pacientes preencheram critérios de inclusão para este estudo. Idade média de 28,32 ±13,74 anos (extremos de 18 e 64 anos). 93 (71,53%) pacientes pertenciam ao gênero feminino. 101 (77,69%) autodeclarados como pretos e pardos e 124 (95,38%) com ensino médio completo. No perfil genotípico, 80/130 (61,53%) portavam HbAS, 31/130 (23,84%) HbSS, 18/130 (13,84%) HbSC e 1/130 apresentava HbSβthal (0,76%). A maioria dos pacientes apresentava calendário vacinal completo 100/130 (76,92%). Todos os pacientes sem escolaridade completa não possuíam vacinação adequada. 18/130 (13,84%) indivíduos eram tabagistas ativos. Todos os pacientes não-HbAS estavam em uso contínuo de ácido fólico e 24/31 pacientes portadores de HbSS (77,41%) faziam uso de hidroxiureia. 15/130 (11,53%) pacientes necessitaram internação hospitalar, todos do grupo HbSS e que, em algum momento, fizeram uso de hidroxiureia. Desses, 8/15 (53,33%) não estavam com a vacinação atualizada e 6/15 (40%) eram tabagistas ativos. Dos pacientes internados em nível terciário de atenção, 7/15 (46,66%) foram admitidos por crise álgica vaso-oclusiva, 6/15 (40%) por colecistite aguda e 2/15 (13,33%) por síndrome febril de foco indeterminado.
DiscussãoA prevalência das hemoglobinopatias falciformes neste serviço respeita as estatísticas da literatura científica atualizada. Nota-se que pacientes com acompanhamento médico e multidisciplinar regular e com nível de escolaridade elevado tendem a apresentar melhor prognóstico que pacientes em baixas condições educacionais, conforme consta em publicações indexadas. Existem evidências recentes de que a população brasileira com doença falciforme, em relação a outras nacionalidades, tende a usar maior quantia de hidroxiureia e, mesmo assim, apresentar mais complicações falcêmicas. Conforme já divulgado na literatura especializada, tabagismo e calendário vacinal incompleto são fatores de risco comuns em pacientes com complicações da doença falciforme.
ConclusãoNosso estudo encontrou maiores complicações em pacientes sem escolaridade completa, em uso de hidroxiureia, tabagistas e sem calendário vacinal completo. O seguimento desses casos poderá levar a compreender os fatores de risco associados às recentes evidências da população falciforme brasileira portar mais complicações em relação a outras nações, mesmo em maior uso de hidroxiureia.