
Apresentar caso clínico de paciente com anemia hemolítica autoimune (AHAI) precedendo endocardite por Streptococcus gallolyticus (antigo Streptococcus bovis), em provável associação à neoplasia colorretal. Trata-se de condição incomum, raramente relatada em literatura médica, destacando-se assim sua relevância científica.
Material e métodosTrabalho descritivo retrospectivo de caso clínico realizado através da coleta de dados registrados em sistema operacional do IAMSPE e revisão de literatura.
ResultadosPaciente do sexo feminino, 80 anos, com diagnóstico de AHAI por anticorpos quentes, tratada a princípio com prednisona 1 mg/kg/dia que apresentou recaída após redução da dose. Recebeu após 4 meses do diagnostico Rituximabe 375 mg/m2 por 4 semanas, não obtendo resposta adequada. Atendida no Pronto Socorro do HSPE, com piora de queixas constitucionais e visto em exames anemia macrocítica, com hemoglobina (Hb) de 5,2 g/dL, provas de hemólise positivas, pesquisa de anticorpos extraíveis do núcleo negativa, cinética do ferro, vitamina B12 e ácido fólico normais, sorologias para HBV, HCV, HIV e sífilis negativas e estudo medular sem alterações relevantes. Realizado corticoterapia e Azatioprina por 5 semanas, sem melhora nos níveis de Hb. Durante internação paciente apresentou febre, com identificação de S. Gallolyticus em hemoculturas e vista insuficiência valvar mitral em ecocardiograma transtorácico que não existia em exame prévio. Foi instituído tratamento com antibioticoterapia para endocardite, sem melhora hematimétrica. Feito imunoglobulina humana, 40 mg/kg/dia por 5 dias, no entanto sem sucesso. Devido às condições clínicas da paciente não foi possível prosseguir investigação com colonoscopia em busca de neoplasia colorretal e a paciente evoluiu a óbito.
DiscussãoA AHAI é definida como o aumento da destruição das células vermelhas por mecanismos autoimunes, usualmente mediada por autoanticorpos contra antígenos de superfície dos eritrócitos. É relativamente rara e pode ser primária/idiopática ou secundária à infecções, doenças autoimunes, malignidades, principalmente desordens linfoproliferativas, e drogas. Há associação da AHAI com infecções virais, bacterianas e parasitárias, como HCV, HIV, CMV, pneumococo e leishmaniose. Não há, entretanto, em literatura casos descritos de associação entre infecção pelo S. gallolyticus e AHAI. A relação entre sua infecção e o câncer colorretal já é bem estabelecida. A presença de endocardite por S. gallolyticus incrementa a possibilidade de carcinoma colorretal. No presente caso a paciente apresentava AHAI, infecção pelo S. gallolyticus e endocardite. Analisando a refratariedade do caso ao tratamento instituído e sabendo da alta incidência de neoplasia colorretal em associação com endocardite e infecção pelo S. gallolyticus é possível que o caso descrito se tratasse de AHAI secundária à neoplasia colorretal e endocardite por S. gallolyticus.
ConclusãoO presente relato de caso reitera a vasta apresentação clínica com diferentes causas de AHAI e a necessidade de se entender a fisiopatologia e os mecanismos envolvidos em cada apresentação, bem como sua associação com quadros infecciosos e neoplásicos. O conhecimento dos mecanismos mediadores dessas condições pode determinar tratamento e abordagens específicas com melhores respostas clínicas.