
A doença falciforme (DF) é resultado de uma mutação, troca do ácido glutâmico pela valina na posição 6 do cromossomo que codifica as cadeias betas da hemoglobina, gerando hemoglobinas anômalas, com polimerização das mesmas, desidratando e hemolisando hemácias, lesando o endotélio, evoluindo com trombo-inflamação e hipóxia tecidual. Nesse contexto trombo-inflamatório, órgãos altamente vascularizados, como o cérebro, sofrem isquemias e até atrofias. Complicações cerebrais como acidente vascular encefálico (AVE), ataque isquêmico transitório e infartos silenciosos são relativamente comuns e responsáveis por amplas perdas cognitivas. Seriam tais catástrofes preveníveis?
Material e métodosFoi realizada uma revisão bibliográfica narrativa com os descritores sickle cell desease, child e stroke no Pubmed, consultadas atualizações do UpToDate e da Sociedade Americana de Hematologia, ASH. Foram selecionados 8 artigos entre os anos de 2012 a 2021.
ResultadosO Doppler transcraniano (DTC) surgiu como poderoso preditivo de AVE na DF, com velocidade > 200 cm/s e presença de estenoses como importantes parâmetros. Caso o DTC venha alterado, inicia-se transfusões regulares (TR) por um ano, objetivando manter hemoglobina entre 9-11 g/dL e a hemoglobina S (HbS) menor que 30%. Passado esse período, caso DTC esteja normal e sem estenose na ressonância magnética (RM), as TR podem ser substituídas por hidroxiureia (HU) na dose máxima tolerada como profilaxia, reavaliando trimestralmente por DTC e/ou RM. Caso alterados, as TR devem ser, imediatamente, retomadas.
DiscussãoA triagem anual com DTC para HbSS e HbSBtalassemia dos dois aos dezesseis anos reduz em 90% os AVE preveníveis e a instituição precoce de TR pode reduzir em até sete vezes o risco de AVE até os 20 anos. A instituição de HU em casos selecionados em países subdesenvolvidos sem TR amplamente disponíveis funciona como neuroprotetor, melhorando a oxigenação e a função cerebral ao aumentar os níveis de hemoglobina e diminuir as velocidades cerebrais, mudando a história natural da doença, reduzindo a necessidade de TR e de suas inerentes complicações como aloimunização, sobrecarga de ferro, infecções e reações pós-transfusionais precoces e tardias.
ConclusãoDiante do exposto, conclui-se que o DTC acrescido de HU na dose máxima tolerada no contexto de DTC normal ou TR são importantes profilaxias contra os catastróficos AVE na população pediátrica portadora de DF, garantindo-lhes preservação da função cerebral com consequente qualidade de vida.