Pacientes com diagnóstico de doença mieloproliferativa Filadélfia-negativo (Ph-negativo, de “Philadelphia”-negativo) podem evoluir com desenvolvimento de neoplasias linfoides em paralelo ou decorrente de consequências do tratamento, como por exemplo linfomas associados ao uso de inibidores de JAK2. De maior raridade seria o desenvolvimento de um quadro de linfoma composto (duas doenças linfoproliferativas concomitantes com histologias distintas) em um mesmo paciente com histórico de neoplasia mieloproliferativa Ph-negativo. Apresentamos o caso de paciente masculino de 81 anos com história de policitemia vera (PV) diagnosticada há 3 anos, em piora clínica e laboratorial significativa nos últimos seis meses com perda ponderal de 10 kg, sudorese noturna, esplenomegalia, linfocitose de sangue periférico e linfonodomegalias cervical e axilar. Durante investigação, exame de medula óssea evidenciou evolução da policitemia vera para mielofibrose pós-policitêmica. Perfil de mutações genéticas realizadas em sangue periférico mostrou mutações dos genes JAK2, ASXL1 e SRSF2, um perfil genético altamente sugestivo do diagnóstico de mielofibrose pós-PV. Paciente também apresentava mutações nos genes GNAS (possivelmente presente em PV e em mielofibrose) e TP53 (frequentes em neoplasias linfoides e mais raramente em MF). A análise morfológica revelou linfócitos com vilosidades citoplasmáticas, e imunofenotipagem de sangue periférico confirmou doença linfoproliferativa de linfócitos B, sugerindo linfoma esplênico da zona marginal quando levado em conjunto os dados de morfologia (linfócitos vilosos, maduros e pequenos, com cromatina compactada e citoplasma escasso) e de imunofenotipagem (CD11c+, CD20+, CD22+, CD79b+, IgM+, CD5-, CD10-, CD103-). Biópsia de medula óssea reiterou o diagnóstico de linfoma esplênico da zona marginal, ao mostrar nódulos linfoides paratrabeculares com marcação de linfócitos B por imunohistoquímica, além de fibrose medular e alteração de linhagem mieloide e megacariocítica que indicavam o quadro de mielofibrose. Em exame de PET-CT realizado, foi notada captação intensa por SUV em linfonodos cervicais e axilares (SUV 23,7). Biópsia linfonodal mostrou tratar-se de linfoma de Hodgkin clássico, variante rica em linfócitos, com positividade para CD30 e negatividade para CD20 em imunohistoquímica. Trata-se portanto de paciente com diagnóstico de mielofibrose pós-policitemia vera que desenvolveu linfoma composto (linfoma de Hodgkin e linfoma esplênico da zona marginal). A associação dos dois subtipos de linfoma encontrados já foi relatada na literatura, porém nunca a sua associação com doença mieloproliferativa. Discutiremos neste relato a abordagem diagnóstica frente a presença concomitante de 2 ou mais neoplasias hematológicas e possíveis abordagens terapêuticas.
Palavras-chave: Policitemia vera; Mielofibrose; Linfoma de Hodgkin; Linfoma de zona marginal esplênico; Linfoma composto.