O derramamento de óleo bruto nas praias nordestinas ocorrido em 2019 pode ser considerado um dos maiores acidentes ambientais do país, em todos os tempos. No Estado de Pernambuco, os pescadores foram os mais afetados, com prejuízo na economia e na saúde pela exposição ao óleo bruto nas ações de limpeza das marés que muitos se voluntariaram. A metahemoglobina (MetHb), forma oxidada da hemoglobina, apresenta níveis aumentados quando o indivíduo é exposto a agentes tóxicos oxidantes, como cigarro, pesticidas e outras substâncias químicas; ou na deficiência genética de glicose-6-fosfato desidrogenase G6PD. Nesse estado, o oxigênio não é liberado com facilidade para as células e os indivíduos com níveis elevados de MetHb podem apresentar hipóxia tecidual. O estudo teve como objetivo avaliar os níveis de MetHb e a prevalência da deficiência de G6PD em indivíduos que foram expostos de forma direta ou indireta ao derramamento de óleo bruto.

O estudo foi realizado no período de 2020 a 2021 e foi composto por 103 pescadores das praias de Tamandaré e Barra de Sirinhaém, de ambos os sexos, maiores de 18 anos de idade. A avaliação da prevalência da deficiência de G6PD foi feita pelo método de Brewer e confirmada com a pesquisa da mutação Africana G202A−. Os níveis de MetHb foram obtidos através do método de dosagem da metahemoglobina de Evelyn e Malloy. As associações foram feitas a partir do teste de χ2, com dados laboratoriais e do questionário aplicado.

Das 103 amostras analisadas, 14 (13,6%) foram positivas para a deficiência de G6PD, sendo 12 mulheres (18,2%) e 2 homens (5,4%). A dosagem de MetHb mostrou que 52 indivíduos (50,48%), da população estudada, possuíam níveis acima do normal (2,15% ±0,4). Não houve associação entre o nível de MetHb com a deficiência de G6PD (p = 0,142), tabagismo (p = 0,486) ou contato indireto com o óleo bruto (p = 0,333). Entretanto, observamos associação entre os níveis de MetHb e o contato direto com o óleo bruto (p = 0,025).

Os resultados da deficiência de G6PD mostraram uma prevalência acima da encontrada no Brasil (3-10%). Este aumento pode ser explicado pela maior prevalência de pardos e negros na região. Entretanto, os níveis elevados de MetHb observados, não foram associados a deficiência de G6PD e sim ao contato direto que os pescadores tiveram com o petróleo derramado nas praias. Sabe-se que o petróleo bruto é composto por diversos componentes, como os Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs), incluindo o Benzeno. Os HPAs são tóxicos para o homem, intensamente poluentes, de difícil degradação na natureza e podem ficar acumulados no solo.

Esse é o primeiro estudo que avaliou o efeito nos pescadores do contato com o óleo bruto derramado no litoral pernambucano. A associação encontrada sugere um impacto da exposição nos níveis de MetHb. Esse dado é de grande importância, porém não afirma a relação de causa e efeito. E mais estudos são necessários para desvendar o real impacto da exposição ao óleo bruto com o aumento de MetHb, e outros possíveis efeitos danosos ao organismo nas pessoas que foram mais expostas.