HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA insuficiência pancreática exócrina (IPE) é uma complicação rara do transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), usualmente de apresentação tardia e considerada uma forma de manifestação atípica da doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) crônica. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de IPE precoce após TCTH alogênico.
Relato de casoPaciente feminino, 12 anos, com diagnóstico prévio de anemia falciforme, foi submetida em dezembro de 2024 a TCTH alogênico haploidêntico, ABO compatível, com condicionamento mieloablativo (tiotepa, fludarabina e melfalano), e profilaxia contra DECH com timoglobulina, ciclofosfamida pós-transplante, micofenolato e sirolimo. O enxerto apresentou critérios para pega neutrofílica no dia +26, e pega plaquetária no dia +31. A paciente fez uso de nutrição parenteral do dia +13 ao +27, com reintrodução de dieta enteral a partir do dia +23. Dentre as complicações pós-transplante, apresentou neutropenia febril, mucosite grau 3 e colite por Clostridium difficile. No dia +17, a paciente desenvolveu síndrome de encefalopatia posterior reversível (PRES), atribuída ao sirolimo, com suspensão temporária do mesmo e início de metilprednisolona 1,5 mg/kg/dia, ocorrendo suspensão completa no dia +57. Durante a internação, a paciente apresentou episódios de dor abdominal intensa, epigástrica, relacionada principalmente com a dieta, associada a diarreia, necessitando internação em UTI pediátrica por 26 dias para controle da dor, período em que recebeu morfina, metadona, cetamina e clonidina, e substituição da dieta enteral para fórmula de aminoácidos livres. A pesquisa de patógenos fecais foi negativa. Exames de imagem demonstraram pneumatose intestinal colônica, sem evidências de perfuração e atribuída ao uso de corticoide, ausência de alterações pancreáticas, e com exame endoscópico evidenciando gastrite hemorrágica de fundo gástrico. Foi otimizado o tratamento com inibidor de bomba de prótons, com aumento de dose do omeprazol para 2 mg/kg/dia; entretanto, porém sem melhora dos quadros álgicos e da diarreia. Diante deste quadro, foi solicitado pesquisa de gordura fecal, com resultado negativo, e quantificação de elastase fecal, com resultado abaixo do valor esperado (36,0 ug/g; referência normal: maior ou igual a 200 ug/g). Diante dessa situação, foi iniciada terapia de reposição de enzimas pancreáticas (TREP), com a paciente evoluindo com redução da frequência e intensidade dos episódios álgicos, acompanhada de redução da analgesia, boa aceitação de dieta, e resolução da diarreia. Paciente recebeu alta hospitalar em fevereiro de 2025, assintomática. Em abril de 2025, após a suspensão da TREP, reiniciou diarreia e dor abdominal, com resolução completa da sintomatologia após sua reintrodução. Até agosto de 2025, a paciente não apresentou novos episódios semelhantes ao relatado.
ConclusãoEstudos demonstraram a ocorrência IPE tardiamente no TCTH, geralmente associada à atrofia pancreática, que pode ser secundária à toxicidade medicamentosa, infecções virais e DECH crônico. No caso relatado, houve uma apresentação precoce e atípica, com dor abdominal e diarreia, pesquisa de gordura fecal negativa e sem alterações pancreáticas em exames de imagem, mas com elastase fecal bastante reduzida. Assim, reforçamos a importância de considerar IPE como diagnóstico diferencial de quadros de dor abdominal de etiologia incerta associada a diarreia, mesmo em casos de pesquisa de gordura fecal negativa, independente do período pós-transplante.




