HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA Doença Hemolítica do Recém-Nascido (DHRN) é uma condição causada pela passagem transplacentária de anticorpos maternos da classe IgG, que se ligam a antígenos eritrocitários fetais e desencadeiam destruição das hemácias. Embora a aloimunização pelo antígeno Rh(D) seja a mais prevalente, o sistema Kell constitui o segundo maior potencial imunogênico e está associado a desfechos clínicos graves. O anticorpo anti-Kell apresenta particular relevância por, além de promover hemólise, inibir a eritropoese fetal por meio da destruição de precursores eritróides, podendo ocasionar anemia severa mesmo em baixos títulos séricos. Apesar de menos frequente, a aloimunização anti-Kell exige atenção especial devido à ausência de imunoprofilaxia específica e sua evolução potencialmente rápida, associada a complicações como hidropsia fetal e óbito intrauterino.
Descrição do casoGestante de 31 anos, G1P0A0, com 16 semanas de idade gestacional, encaminhada ao ambulatório de Hematologia para investigação de incompatibilidade no sistema Kell identificada durante o pré- natal. Apresentou teste de Coombs indireto positivo com título inicial de 1:1024, que evoluiu para 1:2048 no segundo trimestre. Fenotipagem eritrocitária revelou mãe Kell negativa e presença de anticorpo anti-Kell. O pai apresentou fenótipo Kell negativo. A paciente nega gestações ou abortos prévios, transfusões sanguíneas, etilismo e tabagismo. Antecedentes cirúrgicos incluem adenoidectomia e amigdalectomia. Não apresenta comorbidades conhecidas, mas refere história familiar materna de FAN positivo, sem diagnóstico definido de doença autoimune. Usava ácido fólico, ferro e cálcio. No exame físico, encontrava-se em bom estado geral, relatando apenas náuseas leves e queixas articulares inespecíficas em mãos, punhos e joelhos. Exames laboratoriais demonstraram grupo sanguíneo O Rh(D) negativo, PAI positivo, Coombs direto negativo e marcadores sorológicos para infecções congênitas foram não reagentes. Investigação imunológica mostrou FAN 1:160 e anti-Ro positivo (211), com demais autoanticorpos negativos. Hemograma revelou discreta anemia (Hb 10,7 g/dL), com reticulócitos adequados. Demais exames dentro da normalidade. Além da investigação complementar para síndrome de Sjögren e da realização de ultrassonografia prevista no acompanhamento pré-natal, diante do risco de anemia fetal, também foi programada a vigilância fetal com doppler de artéria cerebral média. Por fim, orientou-se a reavaliação clínica e laboratorial mensais para confirmação diagnóstica e planejamento de possíveis intervenções terapêuticas.
ConclusãoA DHRN é uma doença que representa alto risco fetal e neonatal. Quando um aloanticorpo é identificado, é essencial estimar adequadamente o risco fetal. A aloimunização anti-Kell associada a autoanticorpos anti-Ro e FAN, como neste caso, configura desafio diagnóstico e terapêutico. A aloimunização em primíparas é rara sem contato prévio com o antígeno Kell ou evento reconhecível. Nessa situação, deve-se considerar falso positivo, sobretudo na presença de autoanticorpos maternos e fenótipo paterno negativo. Contudo, a rápida elevação dos títulos reforça a complexidade imunológica e a possibilidade de DHRN. O diagnóstico precoce é determinante para prevenir complicações fetais graves. A condução adequada exige monitoramento gestacional, avaliação fetal e terapias como plasmaférese, imunoglobulina intravenosa e transfusão fetal intrauterina ou pós-parto.




