HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosAs manifestações clínicas da doença falciforme (DF), apesar de estarem diretamente relacionadas à mutação da hemoglobina S (HbS) e consequente hemólise, dependem também de outros fatores incluindo um fenótipo inflamatório característico.
ObjetivosIdentificar fatores genotípicos e laboratoriais de adultos com doença falciforme (DF) e Acidente Vascular Cerebral (AVC) comparados a pacientes sem AVC.
Material e métodosTrata-se de um estudo de coorte retrospectivo que analisou 1795 exames laboratoriais de 320 pacientes com DF, idade ≥ 18 anos de ambos os sexos. Dados foram coletados de prontuários médicos, no período de junho de 2014 a junho de 2024. Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
ResultadosA coorte de pacientes era de 53,1% do sexo feminino (n = 170). A distribuição genotípica revelou: genótipo 74.7% SS (n = 239), 17.5% SC (n = 56), 5.0% Sβ⁰ (n = 16) e 2.8% Sβ⁺ (n = 9). A prevalência de AVC foi de 10.3% (n = 33). Análise de associação mostrou uma relação estatística entre genótipo SS e ocorrência de AVC (p < 0.001), enquanto a associação com o sexo não foi significante. Análise post-hoc confirmou que a frequência de AVC em SS é superior em relação aos demais genótipos (SC: p = 0.024; Sβ⁰: p < 0.001 e Sβ⁺: p = 0.018). O SC apresentou maior risco que o Sβ⁰ (p = 0.006). Não foi encontrada diferença entre os genótipos Sβ⁰ e Sβ⁺, grupos sem eventos de AVC. Na análise de dados laboratoriais independentes, foi realizada regressão logística ajustada por sexo e genótipo. Foram fatores de risco com p < 0.05: aumento de Desidrogenase Láctica (DHL) (OR = 1.002) Reticulócitos (OR = 1.000002), Transaminase Oxalacética (TGO) (OR = 1.005), Gama Glutamil Transferase (GGT) (OR = 1.001), Neutrófilos (OR = 1.00006) e Plaquetas (OR = 1.0000006). Fatores protetores (p < 0.003): elevação de Hemoglobina (Hb) (OR = 0.857) e de Hematócrito (Ht) (OR = 0.958).
Discussão e conclusãoO papel da hemólise como motor da vasculopatia cerebral foi inequivocamente evidenciado por um conjunto consistente de marcadores. A associação inversa entre níveis de Hb e Ht e risco de AVC parece não ser um efeito protetor direto, mas um indicador de que a menor hemólise se associa a melhor prognóstico. Esta conclusão é reforçada pela associação positiva entre risco de AVC e níveis de reticulócitos, DHL e TGO. A reticulocitose, por sua vez, representa um perigo duplo: a) funciona como indicador da atividade medular em resposta à hemólise e b) reticulócitos expressam mais moléculas de adesão, facilitando sua interação com o endotélio e outras células sanguíneas, exacerbando o processo oclusivo. A neutrofilia e a trombocitose, ambas identificadas como fatores de risco independentes, refletem um estado de ativação imune e plaquetária crônica. Os achados mostram que o risco de AVC não é uniforme, mas estratificado por um fenótipo clínico-laboratorial bem definido, no qual a hemólise crônica e a inflamação sistêmica emergem como os pilares fisiopatológicos centrais. O presente estudo corrobora a complexa interação entre perfil genético, intensidade hemolítica e estado inflamatório e risco de AVC em pacientes com DF.





