HEMO 2025 / III Simpósio Brasileiro de Citometria de Fluxo
Mais dadosA mielofibrose (MF) é uma neoplasia mieloproliferativa BCR::ABL1 negativa rara (0,6/100.000 indivíduos), que se origina de processos advindos da desregulação hematopoiética (mielofibrose primária) ou por evolução de outras neoplasias hematológicas (mielofibrose secundária), como a policitemia vera (PV). Cerca de 10 a 15% dos pacientes com PV podem evoluir para mielofibrose (MF pós-PV), no qual fatores clínicos e alterações genéticas podem exercer influência durante o processo. A coexistência com outras condições hematológicas é rara e ainda está em processo de compreensão etiopatogênica. Este relato descreve o caso de uma paciente com PV e traço falciforme, evidenciando implicações diagnósticas, achados genéticas e desfecho.
Descrição do casoPaciente feminina, 78 anos (2021), identificada pela análise de prontuários médicos na Fundação Hospitalar de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas. Apresentou diagnóstico inicial de PV (2015) aos 71 anos, associada a traço falciforme com evolução para MF pós-PV. Não apresentou eventos hemorrágicos, trombóticos ou esplenomegalia. Na triagem molecular, foram identificadas a variante driver JAK2V617F (rs77375493: T/T; Frequência alélica variante - VAF: 100%), rs2230722 (T/T), rs2230724 (A/A), e haplótipo 46/1 (rs10974944: G/G) em JAK2, entretanto, variantes CALR e MPL não foram identificadas. Seu tratamento inicial baseou-se no uso de hidroxiureia (HU) 2 cp/dia associada a ácido acetilsalicílico (AAS), evoluiu para uso de anagrelida por necessidade de controle citorredutivo. Hemograma realizado no momento da triagem molecular demonstrou uma anemia noromocítica normocrômica (RBC: 3,6 x 106/mm3; Hb: 11,1 g/dL; Ht: 33,5%; VCM: 93,1 fL; HCM: 30,8 pg), leucócitos (WBC: 10.050/mm3) e plaquetas (356.000/mm3) dentro do valor de referência. Desidrogenase lática (LDH: 1284,8 U/L), fibrinogênio (546 mg/dL) e ácido úrico (7,7 mg/dL) apresentaram-se elevados. Análise morfológica do esfregaço sanguíneo revelou discreto desvio à esquerda (bastões: 7%; metamielócitos: 5%; mielócitos: 2%), presença de eritroblastos (21/100), linfopenia (21%) e blastos (2%). Apresentou piora do seu quadro e evoluiu a óbito em 2022. A MF pós-PV é um evento complexo que pode ser acelerado por comorbidades e alterações genéticas em especial a combinação da variante driver JAK2V61F e o haplótipo 46/1_G em homozigose. Essa homozigose geralmente ocorre como consequência da perda neutra de heterozigosidade do número de cópias do cromossomo 9p, que acompanha as variantes e a reduzem a um estado homozigoto, condição frequente em paciente em evolução neoplásica dessas condições hematológicas. JAK2V617F promove a ativação constitutiva de JAK2/STAT, garantido a vantagem clonal. O traço falciforme pode ter exercido papel no estresse eritropoiético e acentuado a remodelação do microambiente medular, favorecendo a deposição de fibrose na medula. Sugere-se um fenótipo neoplásico não hipersplênico devido à ausência de esplenomegalia, entretanto, o aumento de LDH evidencia um turnover celular acentuado. A mudança no tratamento reflete a tentativa de controle dos sintomas, porém a progressão clínica indica refratariedade.
ConclusãoMF pós-PV é uma condição rara e sua associação com traço falciforme é incomum. A junção desses complexos cenários pode ter contribuído para o curso clínico da doença na paciente. Este caso demonstra a importância do acompanhamento contínuo, bem como o uso de dados genéticos e laboratoriais para orientar as intervenções médicas.




