Os procedimentos cirúrgicos estão associados ao risco de hemorragia transoperatória e à necessidade de reposição de componentes sanguíneos. Todas as transfusões estão associadas a riscos de eventos adversos. Com o intuito de diminuir a necessidade de transfusões alogênicas em cirurgias com grande perda sanguínea esperada, são utilizadas diversas técnicas de gerenciamento de sangue, incluindo diversos métodos de autotransfusão. Embora essas técnicas não estejam associadas aos riscos conhecidos das transfusões alogênicas, elas não são isentas de riscos e não eliminam completamente a necessidade de transfusões. O Cell Saver é um sistema de resgate intraoperatório de células, que coleta o sangue do campo operatório por aspiração, lava e filtra os resíduos e, após esse processo, os eritrócitos são retornados para o paciente. Apesar das vantagens, não está claro se sua utilização reduz efetivamente a necessidade de hemotransfusões alogênicas.

O presente estudo tem como objetivo avaliar a eficácia do Cell Saver como método de redução da utilização de concentrado de hemácias alogênicas em pacientes que realizaram cirurgias de transplante hepático, troca valvar e revascularização do miocárdio ao longo de um período de 12 meses em três unidades hospitalares.

Foram avaliadas 346 cirurgias no período de junho de 2022 até junho de 2023, em três hospitais de alta complexidade no Rio de Janeiro, que realizaram procedimentos cirúrgicos com alto potencial de sangramento. Do total de cirurgias avaliadas, 217 não utilizaram o Cell Saver, enquanto 129 procedimentos foram realizados usando essa técnica.

Os dados utilizados para essa avaliação foram obtidos a partir do banco do sistema interno, que é utilizado para registrar todos os atendimentos hemoterápicos realizados.

Para as cirurgias que não utilizaram o método de Cell Saver, foram observadas as seguintes taxas de utilização de concentrado de hemácias alogênico: 24% para transplantes hepáticos, 29% para revascularizações do miocárdio e 44% para trocas valvares. Já para as cirurgias que utilizaram o Cell Saver, as taxas de utilização foram significativamente menores: 9% para transplantes hepáticos, 20% para revascularizações do miocárdio e 17% para trocas valvares. É importante ressaltar que as taxas de uso descritas se referem à transfusão realizada durante a cirurgia e não contabilizam o pós-operatório.

Analisando os dados quantitativamente, é possível observar que, nos procedimentos em que a recuperação intra cirúrgica foi utilizada, a taxa de utilização de concentrados de hemácias foi significativamente inferior, apresentando uma significância maior nos transplantes hepáticos e nas trocas valvares.

Com base nos resultados obtidos, é possível concluir que o uso do Cell Saver foi um facilitador na redução da taxa de transfusão de hemácias alogênicas no perioperatório, especialmente em cirurgias de transplante hepático (15%) e troca valvar (27%). Os números observados nestas cirurgias sugerem que a recuperação cirúrgica, por meio do uso do Cell Saver, foi eficaz em minimizar a necessidade de transfusões de sangue alogênico. No entanto, é importante ressaltar que cada caso e contexto hospitalar podem ter suas particularidades, e os resultados obtidos nesse estudo específico devem ser interpretados considerando as características dos pacientes, as práticas médicas e os recursos disponíveis em cada instituição.