A flebotomia ou sangria terapêutica consiste em um procedimento hemoterápico em que é retirada uma quantidade de sangue do paciente com objetivo terapêutico. A sangria está indicada para o tratamento de doenças associadas a eritrocitose, excesso de depósito de ferro e acúmulo de metabólitos tóxicos, como Policitemia Vera, Hemocromatose, Porfiria Cutânea Tarda, Policitemia secundária a DPOC e Doença Falciforme. Apesar de ser considerado um procedimento seguro, pode causar raros efeitos adversos: eventos vasovagais, hipovolemia, infecção e lesões no local da punção. Embora seja um procedimento amplamente indicado, há poucas evidências na literatura quanto à sua padronização: frequência de realização, volume a ser retirado, dentre outros aspectos. O presente estudo tem como objetivo demonstrar o perfil dos pacientes submetidos a sangria terapêutica em um serviço de referência no estado de São Paulo.

Realizou-se um estudo observacional, transversal e descritivo com dados secundários obtidos nos registros eletrônicos do Serviço de Flebotomia Terapêutica do Hemocentro da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) no período de janeiro a julho de 2021. As variáveis quantitativas foram avaliadas com medidas de dispersão (intervalo de confiança de 95%) e as variáveis categóricas foram expressas com medidas de frequência.

Foram avaliados 200 pacientes que realizaram sangria no período de janeiro a julho de 2021. Os pacientes apresentaram idade média de 50 (±17,15; 95% IC = 2,38) anos e houve predomínio do sexo masculino (82%). Dentre as indicações de sangria, a mais frequente foi a Anemia Falciforme (n = 38) seguida de Policitemia Vera (n = 30), Poliglobulia a esclarecer (n = 30), Hemocromatose Hereditária (n = 29) e Hiperferritinemia a esclarecer (n = 29). Houve apenas 2 casos de Porfiria. Os maiores valores médios de Hemoglobina antes da flebotomia foram evidenciados no grupo Poliglobulia Secundária a DPOC (18,08 ± 2,10; 95% IC = 0,19) e os menores no grupo Anemia Falciforme (10,73 ± 1,23; 95% IC = 0,11). O volume médio retirado em cada sangria foi de 421,58 (±38,17; 95% IC = 3,52) mL e 5,78 (±1,30; 95% IC = 0,12) mL/kg e houve eventos adversos em 3,49% dos pacientes (sintomas vasovagais).

O presente estudo ratifica o uso da sangria terapêutica para manejo de poliglobulias e hiperferritinemia. Em concordância com estudos prévios, evidenciou-se predomínio de indivíduos do sexo masculino e da indicação em casos de Policitemia Vera e Hemacromatose. A grande prevalência de indivíduos com Anemia Falciforme neste estudo pode ser justificada pelo fato de a UNIFESP ter um serviço de referência de Hemoglobinopatias. Evidenciou-se que o volume médio retirado em cada sangria (5,78 mL/kg) está de acordo com as principais evidências na literatura que respaldam a retirada de um volume de 5 a 10 mL/kg. A frequência de intercorrências relacionadas à sangria neste estudo foi de 3,49%, ratificando a segurança do procedimento.

Conclui-se que a flebotomia terapêutica é um procedimento seguro e de grande relevância para manejo de diversas doenças. No Brasil, existem poucos estudos que avaliam seu uso de forma sistematizada analisando a indicação da sangria, o volume de sangue retirado e a ocorrência de intercorrências, evidenciando, portanto, a grande relevância do presente estudo.