
A simultaneidade de linfoma de Hodgkin (LH) e tuberculose (TB) ganglionar, embora rara, constitui um grande desafio diagnóstico e terapêutico. Ambas as doenças possuem manifestações clínicas semelhantes (adenopatia, febre, emagrecimento, sudorese noturna), o que dificulta a suspeição da concomitância das enfermidades e contribui para o atraso do tratamento e, consequentemente, para um prognóstico mais reservado. O presente relato tem como objetivo alertar sobre a possibilidade da coexistência das condições e descrever a dificuldade de manejo desses casos.
Relato de casoMulher de 63 anos, sem comorbidades, admitida por aumento progressivo e indolor de nódulos na região cervical durante 5 meses. Relatava febre diária (38-39°C), de predomínio vespertino, tosse seca e perda ponderal de 7 kg em 3 meses. Ao exame físico, notavam-se linfonodos aumentados de tamanho, de consistência endurecida, em cadeias cervical posterior e supraclavicular direitas. Tomografias de tórax e abdome mostravam linfonodomegalias axilares e mediastinais, linfonodos hilares calcificados e um micronódulo calcificado no pulmão direito. Durante a propedêutica, a paciente evoluiu com anemia (hemoglobina 5,4 g/dL), linfopenia leve, hipoalbuminemia (2,0 g/dL) e aumento das dimensões esplênicas (16 cm). As sorologias para hepatite B e C, HIV e blastomicose resultaram negativas. A paciente foi submetida à biópsia excisional de linfonodo cervical. A pesquisa direta para fungos no material foi negativa, mas o teste rápido molecular (TRM) exibiu traços de Mycobacterium tuberculosis. A análise histopatológica e imuno-histoquímica indicou neoplasia linfoide de células grandes, com morfologia de Reed-Sternberg, imunofenótipo característico de linfoma de Hodgkin clássico, subtipo depleção linfocítica (CD45-, CD20-, CD30+, CD15+, PAX5+ atenuado, MUM1+, EBV-LMP1+). O exame da medula óssea resultou em celularidade de 90%, às custas de células atípicas, sugestiva de infiltração por LH. Considerando a positividade do TRM, a iminente imunossupressão provocada pelo protocolo antineoplásico e a tendência de o LH não ser uma doença de evolução extremamente rápida, optou-se por iniciar primeiro o esquema anti-TB, duas semanas antes do tratamento do LH. A paciente, contudo, evoluiu com insuficiência hepática fulminante, sem receber quimioterapia.
DiscussãoSinais e sintomas compartilhados pelo LH e TB requerem correção diagnóstica. O sincronismo das doenças exige árduas tomadas de decisão pois tanto a morbidade quanto as toxicidades do tratamento de uma condição afetam negativamente a outra. Sabe-se que a depleção linfocítica é o subtipo mais agressivo de LH e com frequência acomete o fígado já ao diagnóstico. Também é conhecida a hepatoxicidade do tratamento da TB, que pode acometer até 10% dos pacientes, sobretudo idosos, portadores de anemia ou hepatopatia prévia. Porém, na suspeita de TB extrapulmonar, o resultado “traços” no TRM é indicativo de tratamento devido ao alto risco de evolução desfavorável em pacientes imunossuprimidos. Dessa forma, o tratamento da neoplasia e da infecção são imprescindíveis, mas a condução do caso é difícil e os resultados são ruins.
ConclusãoA coexistência de LH e TB é rara, mas a propedêutica para múltiplos diferenciais deve ser realizada. A ocorrência dos diagnósticos simultâneos se coloca como um contratempo terapêutico e agrava o prognóstico.